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Vítima de racismo em consultório de ginecologista diz ter ficado com medo de ir ao médico

-Jovem precisou recorrer a um terapeuta para ajudar a superar trauma –

Quantas consequências podemos carregar vida afora devido atos impensados de muitos sem noção. Após ouvir da ginecologista Helena Malzac Franco, que atende na Zona Sul do Rio, que o odor na genitália da paciente negra era devido a sua “cor e pelo’, a jovem de 20 anos, que prefere não se identificar, ficou insegura de voltar a entrar em um consultório médico. O caso aconteceu em fevereiro do ano passado e, desde então, a única ajuda médica a qual tem recorrido são as consultas a uma terapeuta, para superar o trauma sofrido naquele dia.

“No âmbito da saúde, a única coisa que continuo fazendo é a minha terapia. De resto não sei se conseguiria nesse momento — afirmou a jovem que se consultou com a ginecologista Helena”.Ela disse ter receio de passar pela mesma situação constrangedora novamente. As sessões de terapia, segundo contou, a ajudaram a entender melhor o que aconteceu e a se sentir menos insegura:

— Não é nem um pouco agradável (a situação enfrentada por ela). Não me conforta estar numa maca ouvindo esse tipo de coisa. Tenho muito receio de acontecer de novo. Minha madrinha me ajudou com isso e estou fazendo acompanhamento com uma terapeuta, que me ajudou a entender (o que aconteceu) e a não me sentir insegura. Foi tudo muito violento. Não esperava ouvir aquilo. Me remeteu a meu medo de procurar médicos para (cuidar da) minha saúde. O caso aconteceu em fevereiro do ano passado e foi imediatamente denunciado à polícia e encaminhado à justiça. Porém, só foi divulgado agora, através de uma reportagem do “Fantástico”, da TV Globo, no último domingo. O advogado da jovem, Djefferson Amadeus, explicou que estava esperando o melhor momento para trazê-lo à tona, pois queria juntar mais argumentos, incluindo o depoimento da acusada:

— Em se tratando de um racismo científico, nós precisávamos ter elementos mais concretos e sólidos para que o caso viesse à tona no melhor momento. E o melhor momento foi diante de todos os elementos probatórios, como o depoimento dela (da ginecologista). Aí temos um arcabouço jurídico que não colocaria minha cliente em total desproteção diante dos fatos. A gente sabe que, quando está lidando com racismo, tem de tomar um cuidado incrível e estar embasado com o número maior possível de argumentos.

A jovem contou que aquela era a primeira vez que entrava no consultório da ginecologista, para a colocação de um DIU, mas se sentia segura porque a profissional já atendia sua madrinha, a fundadora e diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil, Luana Génot, também colunista de O GLOBO, que a acompanhava na consulta e foi quem gravou as falas de cunho racista. A paciente contou que a médica perguntou se ela havia se higienizado antes de dizer que pessoas negras exalam cheiro mais forte: “É muito comum. Não é 90%, mas a gente coloca uns 70%. Tem a ver com a melanina também”.

O Ministério Público do Rio denunciou Helena Malzac pelo crime de racismo, por entender que a médica se referiu ao conjunto de mulheres negras. Ela se tornou ré e, em 31 de maio, foi interrogada na ação a que responde no Tribunal de Justiça do Rio. Durante a audiência, a ginecologista disse ter estudado sobre o tema na faculdade e que pesquisou sobre o assunto: “Disse que as pessoas de cor têm um cheiro mais forte pela minha experiência de 44 anos como ginecologista. Atendendo a todos os tipos de mulheres, a negra tem um cheiro mais forte. Tanto que nessas firmas de desodorante, o desodorante para negro é diferente” afirmou Helena ao ser interrogada.

No processo, Helena Malzac se defende dizendo que seu pai é negro e que “em momento algum ocorreu a intenção de ofender ou de discriminar alguém pela cor da pele.” “O objetivo do comentário da ré foi estrito e visando exclusivamente tratar o mau cheiro com forte odor na região das virilhas”, diz trecho da defesa. A paciente da ginecologista disse que percebeu desde o início que estava sendo alvo de racismo, mas não teve nenhuma reação naquele momento porque se sentia numa situação de fragilidade, em cima de uma maca: — Eu não esperava ela ter falado aquilo para mim. Fiquei chocada. E isso me gerou constrangimento na hora porque eu fiquei muito sem graça, não conseguia falar nada. Senti muita tristeza. De início eu meio que validei o que ela tinha me falado porque ali ela estava como uma médica, né? Eu espero que ela tenha mais consciência do que fala para as pacientes negras.

A jovem disse que não foi a primeira e tem consciência de que não vai ser a última vez que será alvo de uma fala racista. Mas espera que o episódio sirva, no mínimo, para fazer a ginecologista mudar o discurso: — Eu espero que ela tenha mais consciência do que fala para as pacientes negras.

O advogado explicou que o processo está em fase de ouvir as últimas manifestações da parte, antes que o caso vá a julgamento. A médica foi procurada, mas não retornou à ligação até o fechamento da reportagem.

Redação com veículos-Foto: O Globo

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