Viagem de Will & Harper: Uma lição de amizade e aceitação
Muitos já escreverem sobre amizade. Mas raríssimas pessoas mundo afora oferece exemplo tão marcante quanto o do reconhecido comediante Will Ferrell , no documentário Will & Harper ( Netflix). Sua generosidade, despida de preconceitos para com Harper, amigo que agora é amiga devido mudança de gênero emociona e nos inspira. Nos faz pensar que o mundo pode ter jeito. Pode realmente ser um bom lugar para se viver.
O documentário Will & Harper trata de amizade. Aceitação.
Depois de 30 anos de convivência, parceria profissional, o famoso Ferrell descobre, através de um e-mail, que seu grande amigo, ex-roteirista do programa “Saturday Night Live”, de grande audiência nos EUA, então conhecido como Andrew Steele, está se assumindo como uma mulher trans e que agora se chamará Harper. Ferrell se pergunta como isso vai afetar a amizade deles. “Quais são as regras agora?”, Como trata-lo? Questiona, retoricamente. Então, decide fazer as perguntas todas pessoalmente e propõe uma viagem de carro pelos Estados Unidos, na qual os dois amigos terão oportunidade de entender a vida de Harper dali para frente. Tanto entre os dois amigos como para Harper e o resto do mundo.
Logo de cara fica evidente que Ferrell não embarcou nessa história para fazer piada com a amiga, que ainda se entende com o novo guarda-roupa, os sapatos de salto e a maneira de se portar em público. Não que ele não faça piada nenhuma, mas ri com ela, não dela. Afinal, Harper também é comediante e roteirista. Os dois amigos se divertem com as novas situações. E administram bem o novo.
Will & Harper é uma história íntima de aceitação, que vai fazer,com certeza, quem assiste ao documentário, pensar nas suas próprias amizades. Dificuldades com aceitações. Rejeições. E, com certeza, se questionar: Você faria isso por alguém?
É emocionante a cena em que Ferrell acompanha Harper pela primeira vez em um encontro com sua única irmã. E também a um jogo de basquete, um bar de beira de estrada, um supermercado de uma cidade pequena e a diversos ambientes que ela (como ele) frequentava antes de se assumir como mulher. As situações são conversadas . Harper ama estar em movimento, e conta que já viajou pelo interior do país várias vezes, pedindo carona, explorando lanchonetes, bares sujos, tomando cerveja. E é esse território que os dois exploram juntos. Compara. Analisa. Refletem. E se entendem.
Nessa viagem dos amigos, as diferenças e afinidades são postas no porta mala. Ferrell e Harper começaram a trabalhar no humor na década de 90, e ambos não foram sucessos imediatos. Ferrell era considerado careta demais e foi Harper quem entendeu melhor seu estilo. Foi ela quem escreveu as esquetes que revelaram o absurdo talento dele e foi também quem o convenceu a fazer grandes bobagens, como um filme-paródia de novela mexicana, toda em espanhol, “Casa de Mi Padre”, com Gael Garcia Bernal e Diego Luna.
Desde da saída de Nova York para seguir o trajeto desejado, a dupla alterna momentos de relaxamento e outros de mais ansiedade diante do futuro daquela amizade que nenhum deles quer estragar. “Não tenho dúvidas de que Will é meu amigo, mas eu não sou mais Andrew Steele”, diz Harper.O receio do que pode vir a partir dessa viagem é claro. Como fica uma amizade quando uma das pessoas anuncia tamanha reviravolta que é uma mudança de gênero? Como entender o melhor amigo, de toda uma vida explicar as angustias vividas em uma versão de si mesma com a qual não se identificava?
O documentário tem partes leves e descontraídas, como quando os dois visitam o prédio onde gravavam o “SNL” e reencontram antigos amigos como Lorne Michaels, Tina Fey, Seth Meyers, Tim Meadows, etc. Todos artistas que aceitam a transição de Harper sem grandes questionamentos. Mas conforme o cenário muda para o interior do país, a zona de conforto vai ficando cada vez mais distante, e Ferrell e Harper têm conversas complexas e desafiadoras.Harper revela o ódio que sentia por si mesma, pensamentos suicidas e o desespero nos anos antes de anunciar sua verdadeira identidade. E é aqui que Ferrell brilha, como amigo leal, com aquele talento que falta a maioria dos humanos de saber a hora de simplesmente ver e ouvir com atenção e coração aberto quem está ao lado.
A gente termina de acompanhar aquela viagem refletindo: Talvez ouvir o outro seja o melhor investimento que possamos fazer na vida. Prestar atenção no banco do carona para conhecer profundamente as pessoas que nos importam carregar, transportar junto aos nossos sonhos e realizações vida afora. No momento é muito disso que o mundo precisa.
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