Saúde: ‘Dizíamos que o câncer de intestino era doença de idoso. Agora é de jovem’, diz oncologista

 

– Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or, afirma que as mudanças no estilo de vida são os grandes responsáveis pelo quadro e que é possível reverter o cenário-

O médico Paulo Hoff é uma das grandes referências na oncologia, em especial na área de câncer gastrointestinal. Desde 2017, está à frente da oncologia da Rede D’Or, o maior conglomerado de hospitais privados do país. É professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, membro da Academia Nacional de Medicina e presidente de honra da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.Ele fala sobre o impressionante aumento dos casos de câncer de cólon – sua especialidade – em pessoas jovens, da importância de manter bons hábitos de vida para afastar o câncer de maneira geral e o que esperar de avanços na área para os próximos anos. O tema será discutido no Congresso Internacional Oncologia D’Or, dias 14 e 15 de abril, no Rio , com a participação de médicos de diversas especialidades, com atuação em câncer.

Recentemente, uma profusão de pessoas famosas revelaram sofrer de câncer colorretal. Isso reflete a realidade da população em geral?

Entre os tumores com maiores taxas de complicações e mortalidade, o câncer cólon perde apenas para o câncer de mama entre as mulheres e o de próstata entre os homens e essa incidência vem aumentando. No Brasil, são quase 700 mil casos de câncer por ano, é um número substancial. Destes, quase 50 mil já são de câncer de cólon e reto. É importante tornar o assunto público, ele tem que ser discutido. Esse tipo de tumor é um dos poucos que tem crescido entre os jovens.

Por que esse tipo de tumor, tão ligado aos hábitos de vida, tem crescido entre pessoas mais novas?

Até pouco tempo, costumávamos dizer que o câncer de cólon reto era uma doença da pessoa idosa. E isso vem mudando. Infelizmente, a faixa etária em que o aumento é mais pronunciado na última década é justamente a faixa etária abaixo dos 50 anos. Isso aconteceu no Brasil e no mundo. O aumento da obesidade entre os jovens é um dos fatores. Consumo exagerado de alimentos ultraprocessados e sedentarismo também influenciaram.

Ou seja, é possível alterar o cenário com mudanças de hábitos de vida?

Se a pessoa tiver uma atividade física regular ao redor de 150 a 200 minutos de caminhada por semana, isso deflagra um efeito protetor. É bastante, mas não é impossível. O último trabalho publicado sobre o assunto, aliás, mostrou que uma atividade intensa de 11 minutos por dia já começa a reduzir o risco de diversos tipos de câncer. Também precisamos falar de uma dieta mais balanceada, com mais frutas, verduras e sem tantos alimentos ultraprocessados. Tudo isso vai, devagarzinho, ajudando a reduzir a incidência do câncer.

Recentemente, os Estados Unidos reduziram de 50 para 45 anos a indicação para colonoscopia como exame de rotina. Qual é a sua opinão?

Nós costumávamos dizer que a prevenção do câncer de cólon e reto deveria iniciar aos 50 anos. Reconhecendo que há um número crescente de jovens apresentando a doença, os Estados Unidos mudaram essa idade do início da prevenção para os 45 anos. Para o Brasil, que é um país continental, é difícil usar um único parâmetro. Se olharmos as regiões Sul e Sudeste, o nível de incidência de câncer de cólon e reto é tal que eu acho que se justificaria pensarmos em 45 anos. Mas se olharmos as regiões Norte Nordeste, a incidência é menor. Tem outros tumores importantes lá, então não seria totalmente irracional manter os 50 anos. Mas, se tivermos que escolher um número só, eu diria que é melhor começar aos 45 anos. O mesmo vale para o teste de sangue oculto nas fezes.

Existem outros tumores fortemente associados aos hábitos de vida que também estão aumentando?

Sim, e talvez o mais óbvio seja o câncer de mama nas mulheres. Houve um aumento dramático da incidência do câncer de mama nos últimos 20 a 30 anos e isso continua acontecendo de forma similar ao câncer de cólon porque tem muita relação com o ambiente, com alimentação, prática de exercício, obesidade etc. Outro que vale ser mencionado é o câncer de pele. Existe um subgrupo de câncer de pele, que é o melanoma, que não é tão comum, mas é muito grave. E há maneiras de reduzirmos a incidência tanto do câncer de pele não melanoma quanto do melanoma, que é evitando aquela queimar a ponto de ficar com a pele vermelha. Eu sei que o brasileiro adora uma praia. Mas basta usar proteção, não se expor ao sol no horário em que ele está mais forte, usar chapéu, roupa e protetor solar de grau elevado. Porque essa queimadura que deixa a pele vermelha aumenta o risco de câncer de pele anos depois. Mas é interessante que nem sempre a modificação de hábitos é negativa. Se estivéssemos nos anos 1950-60, estaríamos discutindo o câncer de estômago como sendo muito comum. Mas houve uma queda constante da incidência desse tipo de câncer graças a modificações ambientais como comida refrigerada e água tratada. Então temos que achar maneiras de diminuir também o câncer de mama e o câncer de intestino.

Quais são as maiores novidades na prevenção e tratamento do câncer?

Câncer hoje, no Brasil, é quase que uma epidemia. Nós tínhamos 350 mil casos de câncer há 20 anos. Agora temos 700 mil novos casos de câncer por ano no Brasil. Então vamos discutir bastante métodos para tentar reduzir essa curva de ascensão, se não, daqui a pouco vamos ter 1 milhão de casos novos por ano. Vamos discutir o impacto do exercício físico, da obesidade, assim como o uso de medicações e produtos. Por exemplo, o cigarro continua sendo algo grave e temos o cigarro eletrônico ganhando espaço. Parece que os jovens não estão mais vendo o cigarro com a mesma visão que nós tínhamos alguns anos atrás. Em termos de tratamento, tem áreas que estão se abrindo. Nos últimos 10-15 anos, conseguimos curar um número grande de pacientes usando o sistema imune do paciente. Estamos aprendendo a fazer com que o próprio paciente enfrente a doença e teremos uma discussão ampla sobre isso porque acreditamos que o papel da imunoterapia continuará sendo crescente como opção terapêutica. Teremos também uma ênfase em transplante de órgãos em pacientes com câncer. Hoje, o transplante é uma técnica pouco utilizada em pacientes com câncer. A nossa expectativa é que nos próximos anos isso se torne mais comum.

Por que a área de transplante de intestino ainda é tão incipiente?

O transplante de intestino costuma ser multivisceral ou seja, vem junto com outros órgãos. Isso pode ser necessário no caso de câncer ou de um paciente que sofreu um acidente de automóvel e ficou com pouco intestino, por exemplo. A dificuldade é porque a mortalidade associada a esse transplante é alta. É um procedimento extremamente complexo porque é uma região com muitos vasos sanguíneos, muitos nervos. A recuperação é lenta e como o intestino naturalmente tem muitas bactérias, o risco de infecção é maior. Então tem uma série de detalhes. São poucos profissionais no mundo que sabem fazer bem um transplante de intestino, com altas taxas de sobrevida após o procedimento. Inclusive, nós temos um interesse muito grande de ajudar a trazer isso cada vez mais para o Brasil. O Rodrigo Viana é um grande expoente mundial nesse tipo de transplante. Ele está nos Estados Unidos, mas é brasileiro.

Um tema que vem sendo muito discutido é o transplante de fezes. Como isso pode ajudar no tratamento do câncer?

Temos no nosso corpo mais bactérias do que células e essas bactérias estão predominantemente no intestino. Durante muito tempo nós ignoramos essas bactérias. Hoje, sabemos que existe uma relação muito mais delicada e muito mais complexa destas bactérias com o nosso organismo. Ao ponto de ter situações em que a presença de certas bactérias estimula ou atrapalha o tratamento oncológico. Por exemplo, sabemos que a imunoterapia tem uma relação muito grande com uma quantidade e uma população saudável de bactérias no intestino. A proposta que está sendo investigada é que em certas situações em que a imunoterapia não está dando muito certo, poderíamos fazer um transplante de fezes de um paciente que apresentou um bom resultado, para que mude a população de bactérias desse outro paciente que não estava respondendo bem. A princípio, parece algo bizarro, eu sei, mas é algo sobre o qual vamos ouvir mais. O que você busca fazer com isso é transplantar a população bacteriana e não as fezes em si. Isso ainda é experimental, mas é algo bem interessante e os estudos indicam que isso provavelmente vai funcionar.

O que o senhor faz na sua rotina para evitar o câncer?

Tento seguir o que eu prego. Faço atividade física regularmente, pelo menos três vezes por semana. Nada extremamente extenuante, faço caminhada e um pouquinho de peso. A ideia por trás disso é que a atividade é mais importante do que a intensidade em si. Eu também tento consumir pelo menos cinco porções de frutas e verduras todo dia e tenho reduzido o consumo de comidas ultraprocessadas. Veja que falei reduzir e não eliminar porque é difícil eliminar completamente. Mas reduzir já gera um impacto importante. Também busco comer mais peixe e tento limitar o consumo de carne vermelha a duas a três vezes por semana, no máximo. E já passei dos 50 anos e faço exames preventivos.

Redação-Blogdellas com o Jornal o Globo- Imagens, fotos-Divulgação

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