Diversidade,  Opinião

São João com inclusão?

*Por Daniela Rorato 

Primeiro, a Prefeitura de Caruaru abriu uma votação pública na internet para a população escolher e decidir qual show da abertura do São João deveria ganhar tradução em libras.

Não deveria ser uma escolha. Todos os shows devem ser acessíveis num evento público e realizado com dinheiro público. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015) garante o acesso à cultura através de acessibilidade comunicacional e está sancionada há quase sete anos.

O acesso à cultura deveria ser um compromisso de todos os municípios, uma vez que Pernambuco tem mais de 350 mil pessoas surdas e o processo de acessibilidade demanda esforço coletivo. Sortear qual show ganhará tradução em libras é como decidir a que parte da festa o surdo terá direito de compreender. Um evento que paga cachês milionários não deveria tratar acessibilidade como escolha ou sorteio. Tal fato, inclusive, segundo a mesma Lei Brasileira de Inclusão, configura improbidade administrativa, mas é replicado por todo o estado e os órgãos de controle como o Ministério Público, ao que parece, não tem interesse em fiscalizar.

Curiosamente, como o TSE obriga, agora nas eleições veremos todos os conteúdos de discursos e guias eleitorais plenamente acessíveis com libras. Afinal, é obrigatório. Passando as eleições, tudo volta ao “normal” e a acessibilidade volta a ser ignorada. É fato.

Recentemente o MPPE instalou um inquérito público e obrigou o Governo do Estado e a Prefeitura do Recife a produzir comunicação digital acessível. Principalmente os pronunciamentos sobre a pandemia e acesso a vacina, que ocorreram durante o COVID. Mesmo durante as tragédias das chuvas em Pernambuco, vimos postagens com pronunciamentos dos gestores públicos sem janela de libras, algumas sem nem mesmo uma legenda. Detalhe: as plataformas de redes sociais possuem ferramentas de legendagem automática e nada justifica um vídeo sem legenda. Postar um vídeo sem legenda ou libras é saber que você não está falando para os mais de 350 mil surdos de Pernambuco.

Voltando à abertura do São João de Caruaru: quando finalmente utilizam a janela de libras no show de Elba Ramalho, que abriu o São João da cidade e foi transmitido pela TV Jornal e Youtube, ignoraram a ABNT NBR 15.290 que indica a janela no canto direito da tela.

A visibilidade e informações visuais do show são prejudicadas para o público, surdo ou não. Os comentários na plataforma YouTube foram constituídos de muita reclamação, ao fato de que a janela naquela posição estava atrapalhando o show. O show seguinte, de Solange Almeida, já não teve acessibilidade. Acho que não foi o “sorteado”.

Uma pena ver a acessibilidade tratada com sazonalidade, quando é um direito adquirido. Eventos privados estão adotando a prática e os eventos públicos que deveriam obrigatoriamente prover acesso à cultura, falham. Existe uma infinidade de recursos assistivos a serem aplicados em eventos como por exemplo a audiodescrição para pessoas cegas. As libras constituem apenas um deles. Seguimos perguntando: até quando?

 

 

Dani Rorato (Gestora de Soluções Inclusivas e ativista pelos direitos das PcDs) e colaboradora do BlogDellas.

 


Fotos: Divulgação

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