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Saiba por que prédios-caixão, que já deixaram 20 mortos este ano na Grande Recife, podem fazer mais vítimas

– Desabamentos ameaçam construções em que paredes têm função de estrutura se espalharam pela região metropolitana da capital de Pernambuco nos anos 1970. Prefeituras descumprem ordens da Justiça –

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Os desabamentos de prédios na Região Metropolitana do Recife — que só em 2023 já deixaram 20 mortos — não são uma novidade e podem voltar a acontecer nos próximos anos, com cada vez mais frequência, alertam especialistas. Mesmo após a Justiça decidir que o poder público deveria recuperar ou demolir os chamados “prédios-caixão”, assim chamados por suas paredes serem usadas como única estrutura de apoio, pouco foi feito em relação a interdições e reformas. Em 2008, o Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) identificou que há 5,3 mil edifícios desse tipo nas cinco principais cidades do Grande Recife: 2,5 mil com alto risco de desabamento. Mas o trabalho, contratado pelas prefeituras, não foi continuado até a fase de solução.

— Mais tragédias assim vão se repetir, com certeza — afirma Carlos Wellington Pires, gerente do Laboratório de Tecnologia Habitacional do Itep, e autor do estudo de 2008, referindo-se à queda de um prédio-caixão em Paulista na sexta-feira (7) que causou a morte de 14 pessoas — A situação hoje está ainda pior, porque quase nada foi feito. Essas mortes são de responsabilidade das prefeituras, porque existe ação civil pública que obriga a recuperação desses prédios.

A decisão judicial citada por Pires veio da ação proposta pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual de Pernambuco em 2005. Quatro anos depois, a Justiça Federal obrigou as prefeituras de Olinda, Recife, Jaboatão dos Guararapes, Paulista e Camaragibe a adotar “as medidas de proteção à vida e ao patrimônio quando constatado risco de desabamento de edificações em alvenaria auto-portante, conhecidas como prédios-caixão”. Segundo Pires, após o trabalho de mapeamento e análise de risco, as prefeituras não deram continuidade ao contrato com o Itep. Ele explica que a metodologia desenvolvida na época incluía propostas de recuperação desses edifícios, a depender da condição de cada uma. Os prédios em alto risco precisariam ter um laudo e depois um projeto de solução.

Procurada, a prefeitura do Paulista, onde 14 pessoas morreram na última sexta, respondeu que 12 prédios do tipo caixão foram interditados desde o levantamento do Itep, mas 10 somente neste ano. A prefeitura acrescentou que 92 edifícios foram vistoriados desde maio e que houve uma reunião ontem com o Ministério Público Estadual sobre o assunto. As demolições dos imóveis no entorno do prédio que desabou serão analisadas caso a caso, explicou a prefeitura, porque existem “processos judiciais atrelados a eles”.

Sem projeto estrutural

A técnica de alvenaria estrutural, que é quando as paredes fazem a função de estrutura, na ausência de outros pilares, é bastante utilizada até hoje. Mas, para isso, é necessário cumprir com as normas e exigências técnicas. Entretanto, nos anos 1970, quando esses prédios tiveram um boom em Pernambuco, não existia um regramento específico para esse tipo de construção. Isso resultou no surgimento do que Pires chama de “alvenaria resistente”. O conceito é o mesmo, mas, como não havia normas, os projetos eram feitos de forma empírica.

— Prédios eram feitos sem projeto estrutural, a esmo, empiricamente. Nos anos 70, houve um boom imobiliário e as construtoras utilizavam materiais mais baratos, sem base teórica. Esses prédios não têm nada de concreto armado, é só alvenaria, e não respeitavam a relação entre altura e espessura das paredes. Esse tipo de obra foi proibido em 2005 — afirma Carlos Pires, que destaca que a recente medida provisória que garante financiamento para obras do Minha Casa Minha Vida pode ser usada por prefeituras para projetos de recuperação de prédios em risco. — A MP cita a melhoria de moradias existentes, é uma nova modalidade de apoio.

Coordenador da Universidade Veiga de Almeida, o arquiteto e urbanista Carlos Murdoch destaca outro problema desses edifícios: a ausência de fundação. Por isso, qualquer irregularidade no solo pode abalar as estruturas.

— Por isso a manutenção é muito importante — diz Murdoch. — Até o final do século XIX, quase todos edifícios eram assim, a parede exercia função estrutural e então só poderia construir se tivesse parede embaixo. Mas depois da introdução do concreto armado e da estrutura metálica, popularizado no setor náutico, surgiram as estruturas independentes, o que permite que pessoas possam quebrar paredes e fazer reformas nos apartamentos.

Por ser uma tecnologia mais barata, a alvenaria estrutural é a mais utilizada nos projetos do Minha Casa Minha Vida, onde construtoras são obrigadas a informar que moradores não podem derrubar as paredes.

— Mas, com o passar do tempo, essa informação não é passada adiante. Isso que é preocupante — diz Lucas Faulhaber, vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (CAU- RJ). — Seria dever do estado garantir assistência técnica para famílias que queiram fazer reformas.

Engenheiro civil e professor da Escola Politécnica da UFRJ, Leandro Torres Di Gregorio explica que as normas para alvenaria estrutural surgiram somente no final da década de 1980, após o boom imobiliário, e se consolidaram somente nos anos 2000. Por isso, é comum encontrar prédios mais antigos sem aparato técnico adequado. Ele diz que o poder público deveria executar um Programa de Avaliação do Desempenho Predial, para avaliações caso a caso, e em seguida um Programa de Intervenção, com medidas de recuperação e manutenção predial, ou demolição com realocação de pessoas se necessário.

— O principal risco deste tipo de construção é o colapso brusco, não avisado, e em cadeia. Ou seja, a partir de problemas avançados em algumas alvenarias, têm-se a sobrecarga em outras alvenarias. Quando a capacidade resistente das alvenarias já está próxima do limite, então pode ocorrer um colapso progressivo das alvenarias, que ocorre de forma brusca — explica o especialista, que lembra que os apartamentos de térreo são os que ficam sob maior risco, por causa da estrutura e por sofrerem com a umidade e deterioração dos materiais. Em um levantamento, Carlos Pires identificou 18 acidentes em edifícios diversos do Grande Recife desde 1977, ano em que ruiu o edifício Giselle, em Jaboatão dos Guararapes, deixando 22 pessoas mortas. De lá até hoje, houve outras 12 mortes em dois desabamentos na década de 90, mais 16 mortos em 2003, além dos dois casos neste ano.

Matéria compartilhada do Jornal O Globo (Por Lucas Altino) –Fotos: Jornal O Globo.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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