Relatório preliminar do TCE-PE aponta superfaturamento de R$ 646 mil na compra de livros da prefeitura do Recife; gestão municipal nega
Livros didáticos fornecidos à prefeitura do Recife com suposto superfaturamento – Reprodução/TCE-PE
-Valor superfaturado seria de R$ 646.615,98, segundo nota técnica do TCE. Prefeitura diz que cálculo da auditoria foi feito de maneira equivocada.-
Texto :Rodrigo Fernandes/Jornal do Commercio
Uma análise técnica realizada pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) apontou um suposto superfaturamento de R$ 646 mil na compra de livros destinados a professores por parte da prefeitura do Recife. O estudo é preliminar e ainda não foi julgado pelo órgão fiscalizador. A gestão municipal diz que não há superfaturamento, e que o cálculo demonstrado no relatório foi feito de maneira equivocada.
Segundo o relatório, publicado em setembro de 2024, o valor do material didático destinado aos professores seria cinco vezes maior do que os livros destinados aos alunos, “sem grandes diferenças que o justifiquem”. A empresa fornecedora dos materiais é a MindLab.
De acordo com o estudo, o material destinado aos alunos contém um livro do aluno para primeiro semestre, um livro do aluno para segundo semestre, um livro da família, um kit de jogos chamado de “jogateca” e uma caixa/embalagem, ao custo de R$ 58 por aluno.
Já o pacote dos docentes contém o mesmo material acima, acrescido de um livro do professor para primeiro semestre e um livro do professor segundo semestre, ao custo de R$ 310,94 por professor.
De acordo com os auditores, o valor razoável máximo para o kit dos professores seria de R$ 116. O valor cobrado no contrato, portanto, acarretaria num superfaturamento de R$ 194,94 por unidade.
Ao todo, 3.317 docentes receberam o material, conforme a própria secretaria municipal de Educação informou. Sendo assim, o valor total excedente seria de R$ 646.615,98 ao longo dos dois anos de contrato, 2023 e 2024.
Livros didáticos fornecidos à prefeitura do Recife em contrato com suposto superfaturamento – Reprodução/TCE-PE
Auditoria anterior citou R$ 3 milhões
Um auditoria realizada pelo mesmo TCE-PE em fevereiro de 2024 mencionava que a prefeitura teria pago R$ 3.438 por kit para cada professor, e que 300 docentes receberiam o pacote. Esse cálculo resultaria num sobrepreço de R$ 3.327.600,00, somando materiais didáticos e uso da licença metodológica, que também estaria sendo superfaturada neste primeiro estudo. Esse valor chegou a ser divulgado por alguns veículos de imprensa.
Contudo, a defesa da prefeitura do Recife esclareceu ao TCE-PE que a licitação mencionava 300 escolas para recebimento dos kits, e não 300 professores. Isso reduziu o preço unitário dos kits dos docentes para os R$ 310,94 utilizados no cálculo final. Embora menor, o valor ainda aponta para um suposto sobrepreço.
“Mesmo após adotar-se a retificação trazida pela Defesa, permanece a existência do superfaturamento em relação ao Material Didático do Professor, tendo em vista que, conforme já demonstrado no Relatório de Auditoria, a diferença de preços entre esse material e o do aluno não encontra justificativa na diferença entre os itens que compõem esses materiais, pois se diferem em apenas 02 (dois) livros”, diz a nota técnica.
A corte de Contas também identificou, nesse novo estudo, não haver sobrepreço na licença para uso metodológico, como mencionava a primeira auditoria.
Outras supostas irregularidades
Além do sobrepreço de R$ 646 mil, a auditoria também apontou que os contratos continham as seguintes irregularidades:
- Subutilização e ausência de avaliação do Programa Mente Inovadora: o relatório diz que houve pagamento por itens do Programa Mente Inovadora, que não foram utilizados e que há deficiência no planejamento da contratação;
- Indícios de direcionamento na escolha da empresa contratada: o estudo elencou itens licitados que somente a MindLab poderia atender, excluindo outras empresas do certame, mantendo a contratação que vem sendo realizada desde 2012 com a mesma empresa;
- Pagamento antecipado de parte dos serviços: a secretaria de Educação teria pago 87,38% do valor total dos serviços até o mês de maio de 2023, mesmo havendo serviços a serem executados apenas no segundo semestre.
Em dezembro passado, o Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) também realizou uma auditoria do caso, mantendo as irregularidades citadas acima. O órgão, porém, retirou outras três acusações contidas no relatório inicial, que falava sobre supostos erros no processo licitatório.
Na avaliação, o MPCO responsabilizou o secretário municipal de Educação do Recife, Fred Amâncio, e outros nomes da diretoria técnica da pasta pelo suposto superfaturamento e pelas demais irregularidades mantidas.
Fred Amâncio, vale lembrar, anunciou no último dia 18 a saída do cargo de secretário de Educação do Recife para se dedicar ao trabalho no terceiro setor. Ele permanece no cargo até o dia 31 deste mês, quando será sucedido pela pela atual secretária adjunta, Cecília Cruz.
Estudo preliminar
Em nota, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco afirmou que o relatório de auditoria é resultado da etapa preliminar de instrução do processo, e que o processo ainda não foi apreciado pelo relator do caso, o conselheiro substituto Luiz Arcoverde Filho. Segundo o tribunal, não há data prevista para julgamento.
O TCE-PE também destacou que os valores citados no material são uma “sugestão da auditoria, que poderá ou não ser aceita na fase de julgamento, após a análise das defesas”.
O que diz a prefeitura do Recife
Inicialmente, a prefeitura do Recife não respondeu ao JC sobre o suposto superfaturamento de R$ 646 mil, indicado na nota técnica do TCE de setembro, se limitando a responder sobre o suposto sobrepreço de R$ 3,3 milhões.
A prefeitura informou que já havia apresentado ao TCE um esclarecimento sobre a quantidade de professores, defendeu que não houve superfaturamento e alegou que o documento do tribunal “cometeu um equívoco”.
“Outro ponto importante a ser destacado é que a comparação de preços no relatório é feita em relação ao material do estudante, que é totalmente diferente do professor e a comparação deveria feita a materiais similares no mercado ou de outra forma, o que não ocorreu neste caso, levando a uma conclusão equivocada no relatório. A pasta reforça o compromisso com a legalidade dos processos e com o trabalho voltado para a aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes”, diz a nota.
Posteriormente, após a publicação desta reportagem, a gestão João Campos enviou uma segunda nota, afirmando que o o resultado da nota técnica do TCE “também está equivocado”, questionando o método usado pelo tribunal.
Leia na íntegra:
A Prefeitura do Recife ressalta, por meio da Secretaria de Educação, que é importante destacar que a própria equipe de auditoria reconheceu que cometeu um equívoco no relatório original, que foi objeto da reportagem que foi divulgada hoje em um blog. Porém, o número de materiais não é exatamente 3.317, pois ele pode ser utilizado por todos os professores da rede de unidades de ensino, portanto um volume ultrapassa 4.000 profissionais.
Além disso a “nova” conclusão da auditoria de sobrepreço também está equivocada pois o parâmetro utilizado pela equipe do TCE-PE é uma presunção, sem embasamento técnico ou estudo de mercado, de que o material do professor deveria ser duas vezes o preço do material do estudante. Essa presunção além de não fundamentada, está incorreta pois são materiais totalmente diferentes, com processo e custos de desenvolvimento diferentes, portanto não comparáveis.
O preço do material do professor é superior, pois não é apenas um livro, mas inclui também um desenvolvimento diferente e outros custos específicos para os professores, como por exemplo, acesso dos profissionais à plataforma do programa, é diferenciado.
A reportagem também procurou o secretário Fred Amâncio, mas ele preferiu não se manifestar.
O que diz a empresa MindLab
A empresa MindLab afirmou, em defesa apresentada ao Tribunal de Contas de Pernambuco, que a contratação feita pelo Recife foi “mais econômica ao seu erário em comparação a outras formuladas por entes distintos”.
Procurada pelo Jornal do Commercio, a empresa afirmou que já enviou resposta ao tribunal pernambucano e está à disposição para esclarecimentos. Leia na íntegra:
“A Mind Lab não compactua com práticas que favoreçam empresas ou governos em negociações com estados e municípios. A companhia já se manifestou em resposta ao processo do TCE-PE e segue à disposição para todos os esclarecimentos necessários.
A empresa fornece tecnologias socioemocionais exclusivas por meio de inexigibilidade de licitação, modalidade amparada pelas leis 8.666 e 14.333. Portanto, compras neste formato não podem ser direcionadas, pois configuram contratação direta justificada pela impossibilidade de concorrência, e exigem equidade de preços, o que afasta qualquer possibilidade de superfaturamento.
As soluções da companhia são empregadas em escolas do Recife (PE) há 12 anos e todos os processos anuais de auditoria foram julgados regulares ao longo desse período”.
Redação com texto de Rodrigo Fernandes compartilhado do Jornal do Commercio Fotos: reprodução/TCE-PE
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