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Quando o coração dispara – Por Robert Lent

– A tristeza seria a consequência de chorar ou choramos porque estamos tristes? Quem comanda as emoções afinal?

Você chora porque fica triste ou fica triste porque chora?

Parece uma pergunta abobada, não é? Mas na verdade ilustra uma polêmica que tem 100 anos, e agora parece estar sendo resolvida. O famoso psicólogo americano William James, no início do século XX, postulou audaciosamente que as emoções não existem sem correlatos corporais, e que seria a percepção deles que provocaria o sentimento correspondente. A tristeza seria a consequência de chorar, portanto. Pouco depois, nos anos 1920, o fisiologista Walter Cannon rebateu: nada disso, o cérebro é que comanda as emoções. Ele as percebe, sente, e depois produz as lágrimas. Choramos porque estamos tristes, e ponto final. Ficou assim, predominando Cannon sobre James.

A polêmica remete aos egípcios que, lá atrás, ao prepararem os mortos para a mumificação, aspiravam fora o cérebro, mas conservavam cuidadosamente o coração, que ia junto com o corpo dentro das urnas que atravessaram milênios. O coração aloja a alma, diziam. Por isso sabemos “de cor” alguma coisa, temos “coragem” para enfrentar as agruras da vida, e “concordamos” ou “discordamos” do nosso interlocutor. Quem comanda as emoções afinal, o cérebro ou o coração?

Um bom exemplo desta antinomia estranha é o que acontece na ansiedade, tanto na que surge causada por situações difíceis da vida, quanto na que aparece espontaneamente sem causas claras, como um transtorno psicológico. Um dos principais sintomas é a taquicardia. Do nada, o coração dispara. E a simples percepção dos batimentos cardíacos fora de ritmo piora a ansiedade. Certamente, o cérebro dá o primeiro passo, no início da aceleração do coração. Mas quando ele começa a disparar, porque a coisa sai do controle? Funciona assim: em situações normais, alguns setores do cérebro enviam fibras nervosas de comando para regular os batimentos cardíacos de acordo com as necessidades metabólicas do organismo: exercício requer mais sangue nos músculos, atividade mental requer mais sangue no cérebro, digestão requer mais sangue nas vísceras. Mas também existe a via de retorno, encarregada da chamada interocepção. São fibras que levam informações do corpo —coração inclusive —para as regiões de controle no cérebro. Mas será que elas sozinhas conseguem produzir emoção? Será que a taquicardia gera ansiedade? É o que se dispôs a investigar um grupo de pesquisadores da Califórnia.

Primeiro manipularam camundongos geneticamente, fazendo-os expressar um canal iônico ativado por luz. Canais são complexos moleculares que regulam a passagem de cargas elétricas nas células. No coração, provocam a contração das células cardíacas. Cada vez que eles se abrem, o coração bate. O truque engenhoso foi incluir nesse canal iônico uma molécula sensível à luz, para controlá-lo por uma fonte de laser colocada em um colete no peito dos bichinhos. Os pesquisadores, então, faziam o laser piscar em frequências crescentes, e assim conseguiam produzir taquicardia nos animais, até mesmo quando estavam placidamente brincando na gaiola. Resultado: altos níveis de medo e ansiedade nos camundongos, mensuráveis por testes comportamentais bem conhecidos. Em outros experimentos, revelaram a principal área do córtex cerebral que captava a informação da frequência dos batimentos do coração, gerando a ansiedade detectada pelo comportamento. É a chamada ínsula, situada nos dois lados atrás das têmporas de nosso rosto. O bloqueio induzido da atividade interoceptiva da ínsula percebendo a taquicardia freava a ansiedade e restaurava a normalidade.

Em resumo: se o coração acelera um pouquinho, nosso cérebro detecta o fenômeno. Se a aceleração é mais forte (taquicardia), vira ansiedade. Um círculo vicioso. Na verdade, há uma interação entre o cérebro e o coração, mas este não é uma simples máquina passiva que responde ao seu “controlador”. Quando o coração dispara, repercute no cérebro e na atividade mental.

William James de volta.



Redação com o Jornal Globo. Foto: Imagem/Divulgação

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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