Saúde

Projeto acolhe gestantes e mães com Transtorno Bipolar

 

Em 2003, a francesa Christelle Maillet veio ao Brasil para fazer mestrado e conheceu um brasileiro. Depois de voltar à França e ficar dois anos por lá, decidiu se casar com Paulo Grigorovski e viver aqui. Desse amor nasceu Chloé. Mas o bastidor dessa história familiar merece ser contado, pelos desafios enfrentados por Christelle, que tem Transtorno Bipolar. Vejam o testemunho dela ao Jornal Estado de São Paulo, em conversa com Camila Tuchlinski.

 

“Fui diagnosticada com depressão aos 24 anos, mas vejo traços do transtorno quando era adolescente. So quatro anos depois, um psiquiatra reconheceu que eu tinha fases de agitação e hipomania, além da depressão”, lembra a francesa, hoje, aos 41 anos. Após a conclusão médica, Christelle entendeu o que sentia.“É uma doença que dá medo. A gente conhece pouco e o que imagina é que são pessoas difíceis de lidar.Mas, conforme fui estudando, dei um nome para os sintomas, os sentimentos e sensações, aí, veio um alívio”,afirma O Transtorno Bipolar tipo 2, de Christelle, é caracterizado pela presença de episódios depressivos maiores com pelo menos um episódio hipomaníaco, mas não tão evidentes, de acordo com o DSM-V. Os episódios duram até seis meses, sendo que os sintomas depressivos permanecem mais tempo.

 

Ao longo do casamento, Christelle foi amadurecendo o sonho de ser mãe, mas teve de adiá-lo por causa da instabilidade de humor. “Fizemos um planejamento com meu psiquiatra que envolvia a troca de remédios para uma medicação mais segura na gestação e para a amamentação, que era um desejo meu. Demorei meses para estabiliza a nova medicação. E demorei também a conseguir engravidar. E ainda sofri um aborto espontâneo ”, relata.

 

A gestação de Chloé foi desafiadora. Apesar de se sentir bem fisicamente, Christelle sentia tristeza a maior parte do tempo, autoestima comprometida e distanciamento. “Não conseguia me conectar com o bebê emocionalmente nem ficar feliz pela gravidez, me trazia muita frustração. Eu pensava: ‘como podia me sentir assim, se eu desejava a gravidez?’. Tinha sintomas de hipomania como aceleração de pensamentos, irritabilidade e desenvolvialguns sintomas de ansiedade. Eram sentimentos ambivalentes em relação ao bebê, ao mesmo tempo, já a amava muito”, diz. A família decidiu, então, levá-la à França, onde viveu os últimos meses de gestação. O sentimento de Christelle mudaria após o parto. “Eu queria um parto normal, só que depois de 10h de contrações e pouca dilatação, a bebê entrou em sofrimento, os batimentos dela caiam demais e foi tomada a decisão pela obstetra de cesárea de emergência. Foi um momento de bastante conexão emocional, dores físicas e você focada no que está acontecendo. Fiquei muito feliz com a chegada da minha filha”, relata.

 

Christelle Maillet planejou a maternidade com equipe de saúde mental para lidar com episódios de depressão e mania durante a gestação


Nas primeiras semanas de puerpério, em que nos sentimos esgotada com os cuidados com bebê, a depressão melhorou. Ao voltarem, Christelle contou com a rede de apoio, composta pelo marido, os pais dela e a irmã.“Lá na França, com um novo tratamento psiquiátrico e um trabalho psicológico, consegui melhorar e recriar o laço com minha bebê. Eu sentia vergonha e culpa do que tinha acontecido, de não ser capaz de ser uma boa mãe.

 

Demorei a aceitar que eu estava em crise e que, para poder cuidar dela, precisava primeiro cuidar de mim. Tinha que mudar minha vida. Todo aquele sofrimento não podia ter sido em vão”.A partir de então, Christelle decidiu ajudar outras mulheres e mães. “Senti falta de informações de qualidade sobre saúde mental materna e, em particular, do transtorno bipolar nesse contexto. Senti falta de ouvir e falar com outras que estavam passando pelo mesmo tipo de sofrimento”. Assim nasceu a iniciativa Mães com Humores, um portal de divulgação, curadoria de conteúdos e eventos sobre o tema, além de acolhimento para as mamães.

 

“Transtorno Bipolar não é contraindicação para maternidade. Ser mãe é uma experiência maravilhosa, que envolve muito amor e transformação. Mas é preciso de fato ter conhecimento dos desafios. Existe um risco, já que a genética é a primeira causa do transtorno. Mesmo assim, o filho de uma mãe bipolar tem 90% de chance de não ‘herdar’. Eu gostaria de saber na época que metade das depressões pós-parto se inicia na gravidez, por exemplo. Provavelmente teria encarado diferentemente”, enfatiza.

 

Após experiência com maternidade e Transtorno Bipolar, Christelle Maillet decidiu criar o projeto ‘Mães com Humores’, para acolher gestantes e puérperas.

 


A fundadora do projeto recomenda um bom planejamento da gravidez e do puerpério com psiquiatra e psicólogo. “Precisa fazer um ajuste dos remédios. Apsicoterapia é fundamental e o apoio de um psicólogo que entenda de perinatalidade para ajudar a desmistificar e ‘desromantizar’ alguns aspectos do ser mãe e se preparar para as importantes mudanças emocionais e de estilo de vida que a maternidade traz”, destaca. Outros cuidados importantes para as mulheres que têm Transtorno Bipolar e que pretendem ser mães: construir uma rede de apoio, seguir uma rotina, cuidar da higiene de sono, já que a falta dele pode desencadear crise. Poder trocar experiências, desafios e dicas com outras mães ajuda muito também.

 

Mães com Humores

O objetivo do Mães com Humores (www.maescomhumores.com.br) é proporcionar mais conscientização sobre a saúde mental materna e quebrar o estigma e preconceitos diante das doenças mentais como ansiedade, depressão e Transtorno Bipolar.

 

Fotos: Taba Benedicto/Estadão

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