Precisamos falar sobre violência nas escolas- Por Daniel Becker*

 

– Será que vamos seguir o caminho dos EUA? Apenas em 2022, foram 46 tiroteios em escolas. No Brasil foram 10 ataques nos últimos 9 meses-

Parece estar se tornando uma epidemia. Os atentados violentos em escolas vêm ocupando as páginas dos nossos jornais com uma frequência até há pouco inimaginável. E novos episódios já se sucedem à tragédia do dia 27 de março.

Será que vamos seguir o caminho dos EUA? Apenas em 2022, foram 46 tiroteios em escolas. No Brasil foram 10 ataques nos últimos 9 meses.

Para entender esse fenômeno, é preciso compreender a grave crise de adoecimento mental da infância, alardeada por agências como UNICEF e OMS, fundações e mídia nos últimos anos. São múltiplos fatores: a convivência reduzida com os pais, pelo trabalho excessivo, falta de apoio, a difícil vida nas cidades. A falta de preparo das famílias para uma educação respeitosa, que estimule o desenvolvimento, livre de violência. A interferência do vício digital dos cuidadores, empobrecendo o vínculo. O aumento no consumo de ultraprocessados; o confinamento entre quatro paredes, na escola e em casa, acompanhado da toxicidade do excesso de telas, com redução do seu antídoto essencial: o brincar livre na natureza.

A pandemia agravou tudo isso com o isolamento social, duríssimo para os adolescentes, e os ambientes doméstico e coletivo carregados de tensões. Cereja do bolo: o Brasil foi um dos países que fecharam escolas por mais tempo, privando as crianças de um espaço essencial para sua segurança, aprendizado, convívio e desenvolvimento.

Depressão, ansiedade, auto-lesão e transtornos emocionais graves se alastraram. Com a volta às aulas, a crise explodiu nas escolas: em SP, colégios estaduais registraram aumentos de 50 a 100% nos episódios de violência.

Na vida digital, uma mistura perigosa: o brutal excesso de tempo que os jovens passam nos aparelhos, expostos a riscos, perdendo habilidades e saúde mental; somado à quase total ausência de supervisão, que expõe a criança a inúmeros conteúdos muito nocivos, como consumismo, intolerância, radicalismo, fake news e preconceitos. Para agravar, a violência tem virado norma nas relações sociais. Nos últimos quatro anos, com o crescimento da extrema direita nas redes, essa produção aumentou exponencialmente. Jovens fragilizados, vítimas de bullying e de famílias às vezes negligentes, são facilmente cooptados por grupos neonazistas e supremacistas na internet. Ali são acolhidos e aderem às ideologias do ódio. Estimulados por seus pares, cometem os covardes “atos heróicos” contra pessoas inocentes.

O que está ao nosso alcance fazer?

Nas famílias: além da educação afetuosa, dos limites sem violência, dar o exemplo, tratar a todos com respeito. Educar as crianças e adolescentes desde cedo sobre os riscos da internet, em especial das ideologias do ódio e do extremismo. E supervisionar constante e diretamente sua atividade nas redes.

Fortalecer as escolas: Capacitar para a educação digital, que não pode mais ser negligenciada. A cultura da paz e da igualdade deve ser ensinada e vivenciada, além de debates sobre as múltiplas formas de intolerância, mostrando o perigo que representam. Muita atenção ao bullying, que deve ser debatido com os alunos, proporcionando uma linda oportunidade de colaboração e solução coletiva de problemas. Acreditar nos “avisos” que fazem a maioria dos agressores e levá-los à polícia, que deve investigar seriamente.

Humanizar as cidades: promover a vida, o encontro e o brincar ao ar livre. Ampliar o acesso à cultura e à recreação em áreas verdes para toda as regiões.

Nas políticas públicas: pressionar por medidas que controlem a circulação de armamentos na sociedade, como prometeu o atual governo. Estabelecer formas de controle da disseminação do ódio e da violência nas redes, pressionando os gigantes da tecnologia para assumirem sua responsabilidade. E fortalecer a vigilância sobre grupos nazifascistas e supremacistas.

Há muito a fazer pelas nossas crianças. Devemos esse esforço a elas.

*Daniel Becker é pediatra, sanitarista, palestrante e escritor. Ativista pela infância, saúde coletiva e meio ambiente. Escreve para o Jornal o Globo. Texto compartilhado pelo blogdellas.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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