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Padre Airton Freire: Casinha de taipa, símbolo de voto de pobreza, era usada para perversões? – Por Letícia Lins*

É impressionante como orientadores espirituais parecem se aproveitar da situação de vulnerabilidade das pessoas – sejam homens ou mulheres (e até crianças) – para dar vazão aos seus instintos mais perversos. O exemplo mais recente é o do Padre Airton Freire, criador da Fundação Terra, que é investigado até agora em cinco casos de abusos sexuais que teriam sido praticados contra mulheres que o tinham antes como um santo, um homem que optou pela pobreza, por ajudar aos miseráveis e a conformar almas desesperadas. Neste final de semana, o programa Fantástico exibiu uma reportagem sobre o sacerdote, quando um homem também disse ter sofrido abusos. Pior, teria sido dopado e sexualmente violentado. “Capotou” na rede da casinha de taipa onde o padre morava. Acordou só de cueca em uma cadeira, sentindo o “corpo diferente”. A casinha humilde é igual à habitada por populações sertanejas da área rural do Nordeste e, para o “rebanho” do pastor, era um símbolo de sua renúncia a bens materiais. Para a polícia e para a opinião pública, no entanto, é vista hoje como palco onde ocorriam as violências sexuais praticadas pelo religioso.

A casinha fica no terreno afastado de outros imóveis da Fundação Terra, no município de Arcoverde, a 259 quilômetros do Recife. De acordo com o homem, que trabalhou com o sacerdote, “outros meninos enlouqueceram por causa dos abusos do padre”. Ele disse achar que o padre botou alguma substância na água que ficava sobre uma mesinha, próxima à rede onde o rapaz dormiria. “Tomei a água e deitei na rede. Quando foi cinco e pouco da manhã, eu me acordei numa cadeira, só de cueca. E senti meu corpo, né, a gente sente o corpo da gente diferente”, disse o homem, em entrevista à TV Globo, exibida no domingo. Segundo alguns testemunhos (até agora só a personal stylist Sílvia Tavares de Souza se deixou identificar), o padre ficaria rindo, ao ver a angústia e o desespero de suas vítimas. Ou seja, além de violentar, ainda tripudiava do desespero de suas eventuais “presas”, quando o cordeiro virava lobo.

Ou seja, um circo de horrores tão chocantes quanto aqueles revelados no caso João de Deus, autoproclamado médium curandeiro, que cumpre pena de mais de 48 anos de prisão por estupros em série contra centenas de mulheres. No caso do Padre Airton, a sua aparente opção pela pobreza franciscana começa a ser desmascarada. Pois se a casinha demonstrava a opção pela pobreza, o mesmo não ocorria com os lençóis da cama onde os abusos aconteciam, que eram de seda, segundo Sílvia. Além disso, a casinha isolada de taipa em que morava (mesmo manipulando milhões de suas obras sociais e de viagens para tratamento de saúde e cirurgia não realizada no exterior) na realidade parece servir de palco não para reafirmar sua humildade, mas sim para liberar seus mais baixos instintos, violentando não só os corpos mas as mentes das pessoas que tanto nele confiavam, e a quem encaravam como um santo. A “casinha” fica bem longe dos outros prédios da Fundação, distante – portanto – da visão de frequentadores e funcionários da instituição. Uma das mulheres ouvidas disse que, ao tentar fugir, teria sido desaconselhada, para não ser “estraçalhada” pelos cachorros…Meu Deus! Quanta “santidade” …

Quando ouvimos as denúncias, voltam à nossa mente os filmes de tantos abusos praticados por religiosos da Igreja Católica no mundo, inclusive contra crianças, hoje reconhecidos até pelo Vaticano, não é? No Recife, outro caso envolvendo líder espiritual, porém não da Igreja Católica, foi o da cantora Karinha Buhr, que em 2019 disse – em suas redes sociais – ter sido abusada e manipulada pelo vocalista do Afoxé Ylê de Egbá, o Pai Dito de Oxóssi. Ela teria sido não só estuprada como também extorquida, durante os anos de convívio com babalorixá, ao qual acorria em busca de orientação espiritual. Ela fez a denúncia quase duas décadas depois dos abusos, quando o acusado já havia falecido, sem pagar pelo que fez perante a Justiça. No caso do Padre Airton, mesmo ainda não julgado, já começou a enfrentar um calvário merecido, pela prática de crimes que é suspeito. Está sendo investigado, preso e agora em tratamento médico no Recife, em hospital particular, embora sob custódia. No final de semana, teve uma crise hipertensiva, e um princípio de acidente vascular cerebral. É. Não deve ser fácil para um homem que sempre cultivou a imagem de santo, junto aos seus fiéis, se ver comparado a um tarado, um demônio. Ter uma obra social bonita e reconhecida não dá o direito ao padre Airton de fazer o que dizem que ele fez.

*Letícia Lins é jornalista e mantém o https:// oxenterecife.com.br. Texto compartilhado pelo blogdellas.

E-mail redacao@blogdellas.com.br

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