Os dias bons voltarão? – Por Ricardo Leitão

 

Pesa no ar a sensação de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atordoado pelas quedas de popularidade, perdeu momentaneamente o rumo. Índices negativos em amostragens estatísticas são reversíveis, como se sabe. Contudo, para tanto, é preciso ter foco, caminho e vontade, o que parece faltar nos labirintos em que se perde a equipe presidencial.

É um risco, considerando-se o presente e o futuro da conjuntura econômica e social. Lula obteve seu terceiro mandato na mais acirrada disputa desde a redemocratização, vencendo Jair Bolsonaro por apenas 2,1 milhões de votos (50,9% a 49,1%). O apoio expressivo dado então a Bolsonaro indicava que a oposição teria presença forte na vida política do país e influenciaria negativamente na aprovação do novo governo – o que está acontecendo. A oposição agora controla o Congresso e, segundo o Datafolha, apenas 35% dos eleitores consideram “ótimo” e “bom” o governo Lula, praticamente o mesmo percentual dos que opinam “ruim” e “péssimo”.

Na semana passada, todas as luzes amarelas se acenderam no Palácio do Planalto. Pouco depois, algumas começaram a piscar em vermelho, quando Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, acusou Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais e principal articulador político do governo, de “incompetente”. Poderoso, Lira é quem pauta os projetos que são votados pela Câmara.

Na passada e nesta semana, Lula tenta juntar os cacos. Exigiu dos ministros atendimento prioritário às solicitações de parlamentares e marcou conversas pessoais com Lira, com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e com ministros do Supremo Tribunal Federal. A pressa tem dois sólidos motivos: aprovação, no Congresso, da regulamentação da reforma tributária e o bloqueio da tramitação da proposta de emenda constitucional que dá ao Judiciário um aumento salarial de R$ 42 bilhões, a ser bancado pelo Tesouro. A despesa não está prevista no orçamento da União, o que atiça as sensíveis expectativas de magistrados e carreiras afins. A ela tendem a se juntar outras, em votação no Congresso, boa parte assegurando mais recursos para aplicação pessoal de cada parlamentar.

No Senado e na Câmara, o governo não tem base suficiente para impedir que esses chamados projetos bombas avancem, sob aplausos da oposição.

Poderia até ter força e base se sua unidade interna não estivesse trincada. Avolumam-se críticas a Rui Costa, ministro da Casa Civil, por bloquear o acesso de outros ministros a Lula; a Fernando Haddad, ministro da Fazenda, por alimentar sonhos presidenciais; a Camilo Santana, ministro da Educação, por não solucionar a greve nas universidades federais, e a Nísia Trindade, ministra da Saúde, tida como responsável pelo desgaste do governo no enfrentamento das epidemias de dengue, covid e gripe. Sobra até para José Múcio Monteiro, ministro da Defesa, apontado por petistas de ser mais ministro dos militares do que um ministro civil junto às Forças Armadas.  

As fraturas internas, ao lado do conservadorismo do Congresso, comprometem os mais desejados planos, como o déficit fiscal zero, ao final do próximo mês de dezembro. A meta, joia da coroa, foi anunciada por Haddad ainda na transição do governo. Simplificadamente, déficit zero significa que a administração equilibrou suas contas, não gastando mais do que arrecada. Isso não será alcançado em 2024 e, talvez, nem em 2025. O resultado é a redução da capacidade de investimento do governo e de seu poder de atrair investimentos privados; índices menores de crescimento econômico e, consequentemente, baixa oferta de empregos – essa,  a maior preocupação de Lula.

E há, logo ali, em outubro, as eleições municipais, primeiro passo rumo à eleição presidencial de 2026. Nos dois pleitos, o bolsonarismo pretende se consolidar como a grande força da extrema direita. Mesmo inelegível, Jair Bolsonaro está vivo, lidera deputados e senadores no Congresso e tem, por enquanto, o poder de decidir quem será o candidato de seu campo em 2026. A aliança em torno do ex-presidente pretende eleger 1.500 prefeitos neste ano, inclusive nas capitais, e fortalecer sua presença nos estados do Sul e parte do Sudeste, onde foi melhor seu desempenho em 2022.

Nas duas Casas legislativas, as previsões não são boas. O conjunto de legendas encabeçado pelo PT deve perder a disputa, em dezembro, pela presidência da Câmara dos Deputados e do Senado, exatamente no estratégico terço final do governo Lula. Claro que sempre existe a possibilidade de se reencontrar um norte e contar com fatos positivos inesperados, como o crescimento de 2,9% do produto interno bruto (PIB) em 2023.
Porém, são sempre possibilidades. De concreto, continua valendo a reflexão do início: o governo parece atordoado, ingenuamente refém das pesquisas de opinião. Elas são importantes e seus números preocupam. No entanto, tão importantes quanto – ou muito mais – é melhorar a qualidade das ações do governo e fazer com que elas cheguem, com maior rapidez, aos mais pobres. Nesse sentido, cada dia perdido é um dia ganho por Jair Bolsonaro.

*Jornalista

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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