Obras de artistas negros serão repatriadas para o Museu da Cultura Afro-Brasileira
“Revolta dos Malês” de Sol Bahia também será repatriada
Duas colecionadoras americanas decidiram doar 750 peças ao Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador, que serão repatriadas a partir do próximo ano. As obras foram adquiridas legalmente por Marion Jackson, historiadora de arte, e Barbara Cervenka, artista plástica.Esse processo de repatriação, considerado o mais numeroso já registrado no Brasil, foi iniciado em 2019. São pinturas, esculturas, trajes, arte sacra e ritualização do sagrado.
Após visitar várias instituições, Marion e Barbara escolheram o Muncab como destino para a devolução das peças adquiridas durante suas visitas periódicas à Bahia desde 1992. As colecionadoras também organizaram exposições nos Estados Unidos e Canadá com essas obras ao longo das últimas décadas.
As obras incluem esculturas de Boaventura da Silva Filho e seu filho, Celestino Gama, também conhecido como Louco Filho. Ambos são artistas baianos, com obras representativas da cultura afro-brasileira. Nos anos 1960, em Cachoeira, no Recôncavo baiano, o barbeiro Boaventura da Silva Filho (1932 -1992) começou a fazer esculturas de madeira e colocá-las na janela de seu estabelecimento. Quando um grupo de freiras passou pelo local com seus alunos, elas disseram a eles que aquelas esculturas eram coisa de “louco”. Boaventura resolveu adotar o apelido e seguir carreira como escultor.
Desde os 7 anos, seu filho Celestino Gama passou ajudá-lo a dar acabamento nas obras. Ele também se tornou escultor e adotou o nome artístico de Louco Filho. Agora, obras suas e de seu pai estão entre as 750 peças de dezenas de artistas de Bahia, Pernambuco e Ceará que serão repatriadas a partir do ano que vem . “São obras de diversos formatos, de diversas técnicas, então há uma diversidade muito grande”, diz a codiretora do Muncab, Jamile Coelho.
“Os artistas estão bem felizes. Seu José Adário, por exemplo, é um dos últimos artífices de paramentas e ferramentas para candomblé e orixás. Nesse acervo temos 17 obras dele, e em formatos que ele não produz mais”, explica Jamile Coelho. O artista de 77 anos fabrica portões, agogôs e ferramentas de santo há mais de seis décadas.
Movimento de repatriação de obras cresce no mundo
No último dia 12 de setembro, no Rio de Janeiro, uma cerimônia marcou a repatriação histórica do manto tupinambá ao Brasil após 335 anos. A peça, que estava em um museu na Dinamarca, retornou ao Brasil em julho, num momento em que diversos países do mundo exigem a devolução de peças levadas para Europa em um contexto imperialista.
“Repatriar, devolver esse material, tem a ver com o processo de reparação histórica que a colonização causou. Esse material foi roubado, foi pilhado, foi retirado dos seus locais como os próprios povos foram retirados e coisificados, transformados em mercadoria. Repatriar é um ganho político para quem devolve, e é uma reparação histórica dos povos que foram vilipendiados”, afirma o antropólogo Marlon Marcos, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
Muncab planeja exposição com obras repatriadas
Apesar da documentação legal já ter sido assinada, a repatriação das 750 obras que virão para o Muncab não é imediata devido ao complexo processo de preservação do acervo. Uma equipe do museu irá a Detroit, nos Estados Unidos, estudar a melhor logística possível para o traslado até Salvador.
Mudanças bruscas de temperatura podem causar danos irreversíveis ao material, que deverá ser devidamente climatizado. Um estudo técnico vai definir se as peças virão em lotes. Para a repatriação, o Muncab tem a parceria do Instituto Ibirapitanga e do Con/Vida, organização dedicada à cultura, tradição e história das Américas fundada por Marion Jackson e Barbara Cervenka.
Quando as obras chegarem, o Muncab planeja abrir uma exposição com a presença dos artistas e das colecionadoras.
Redação com DEUTSCHE WELLE Foto: Con/Vida (reprodução)
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