Saúde

Obesidade: Ganho de peso não está associado a gula ou a preguiça

Interessante matéria publicada pelo The New York Times, aqui compartilhada pelo Blogdellas: Um seleto grupo dos principais pesquisadores do mundo que estudam a obesidade se reuniu recentemente no Royal Society, a academia de ciências de Isaac Newton e Charles Darwin, onde já foram debatidas ideias como gravidade e evolução. Agora, os cientistas discutiam as causas da obesidade. Na sessão de encerramento, o biólogo John Speakman ofereceu esta conclusão sobre o assunto: “Não há consenso nenhum sobre qual é a causa”.

Isso não quer dizer que os pesquisadores tenham discordado em tudo. A reunião de três dias se infundiu com uma compreensão implícita do que a obesidade não é: uma falha pessoal. Nenhum palestrante argumentou que os humanos perderam coletivamente a força de vontade por volta da década de 1980, quando as taxas de obesidade decolaram, primeiro em países de alta renda, depois em grande parte do resto do mundo.

Nem um único cientista disse que nossos genes mudaram em tão pouco tempo. A preguiça e a gula não foram referidas como fatores da obesidade. Em contraste com a visão predominante da obesidade, que pressupõe que as pessoas têm controle total sobre seu tamanho corporal, eles não culpam os indivíduos por sua condição de saúde, da mesma forma que não culpamos as pessoas que sofrem de problemas de desnutrição.

Em vez disso, os pesquisadores se referiram à obesidade como uma condição complexa e crônica – e estavam reunidos para entender por que os humanos, coletivamente, ganharam peso ao longo do último meio século. Para isso, eles compartilharam uma série de mecanismos que podem explicar o aumento global da obesidade. E suas teorias, por mais diversas que sejam, deixaram uma coisa óbvia: enquanto tratarmos a obesidade como uma questão de responsabilidade pessoal, é improvável que sua prevalência diminua.

Um biólogo nutricional apresentou a ideia de que todos os carboidratos e gorduras em nossa alimentação hoje diluem as proteínas de que nosso corpo precisa, levando-nos a ingerir mais calorias para compensar a discrepância. Um endocrinologista falou do modelo científico por trás da abordagem da dieta baixa em carboidratos, sugerindo que padrões alimentares ricos em carboidratos são promotores de gordura. Um antropólogo evolucionário argumentou que muitas sociedades de caçadores-coletores magros comiam muitos carboidratos, com um apreço especial pelo mel.

Outros cientistas sugeriram que o problema são os alimentos ultraprocessados, os produtos preparados e embalados que compõem mais da metade das calorias que os americanos consomem. Um fisiologista compartilhou seu estudo de controle randomizado mostrando que as pessoas comem mais calorias e ganham mais peso em dietas ultraprocessadas em comparação com dietas de alimentos integrais com a mesma composição de nutrientes. Mas ainda não está claro por que esses alimentos levam as pessoas a comer mais, disse ele.

O mistério talvez seja explicado pelas milhares de toxinas que os alimentos ultraprocessados podem carregar na forma de fertilizantes, inseticidas, plásticos e aditivos, argumentou um bioquímico. Sua pesquisa em células mostrou que esses produtos químicos interferem no metabolismo.

Outros ainda sugeriram que o problema talvez seja menos o que estamos comendo e mais o que não estamos. Uma especialista em comportamento de animais compartilhou seu trabalho sobre a relação entre insegurança alimentar e obesidade em aves. Quando a comida se torna escassa, os animais comem menos calorias, mas ganham mais peso. Estudos em humanos também encontraram uma associação “robusta” entre insegurança alimentar e obesidade, disse ela – o chamado paradoxo entre obesidade e fome.

No final da conferência, os participantes não estavam mais perto de uma teoria unificadora para o aumento global da obesidade – uma condição que ocorre com os humanos desde pelo menos Hipócrates, mas começou a se espalhar em tempos tão recentes quanto o lançamento da MTV. No entanto, nesse curto período, os cientistas, incluindo muitos na sala, aprenderam muito.

Eles identificaram mais de mil genes e variantes que aumentam o risco de obesidade. Descobriram que a gordura corporal é muito mais do que um depósito de energia e que nem todas as pessoas com obesidade desenvolvem suas complicações associadas, que incluem câncer, diabete tipo 2, pressão alta, ataque cardíaco, derrame e morte prematura.

Os cientistas também fizeram um progresso notável mapeando como o cérebro orquestra a alimentação e se adapta a diferentes dietas, alterando as preferências alimentares ao longo do processo. Mas não entraram em consenso sobre o que exatamente mudou na história recente para afetar esses complexos sistemas biológicos.

Desde a reunião, fiquei impressionada com a profunda lacuna entre os debates que ouvi e as conversas sobre obesidade em nossa cultura. Nenhum cientista falou de nenhuma das supostas correções que atualmente enchem os livros de dieta e as prateleiras das lojas, com exceção do debate sobre carboidratos.

Não houve um diálogo sério sobre procedimentos, aplicativos de dieta ou jejum intermitente. Ninguém sugeriu que os suplementos poderiam ajudar as pessoas a perder peso ou que o metabolismo precisa ser impulsionado. O único palestrante que falou sobre microbioma intestinal argumentou que, até o momento, os testes com obesidade em humanos decepcionaram.

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Em outras palavras, não havia soluções rápidas ou truques mágicos naquela sala de reuniões em Londres. E embora houvesse entusiasmo com os incríveis avanços da Medicina no tratamento de pacientes com obesidade, os medicamentos e cirurgias eficazes não foram mencionados como soluções definitivas para a crise de saúde pública.


Ainda não está claro por que esses alimentos levam as pessoas a comer mais. O mistério talvez seja explicado pelas milhares de toxinas que os alimentos ultraprocessados podem carregar. Foto: Reuters/Will Burgess
Quando perguntei a muitos dos pesquisadores como lidariam com a obesidade, dadas as incertezas, eles apontaram para políticas que alterariam ou regulariam nosso ambiente, como proibir o marketing de junk food para crianças, banir máquinas de venda automática das escolas e deixar os bairros mais propícios aos deslocamentos a pé.

Falaram sobre mudar o sistema alimentar de modo que também aborde as mudanças climáticas – uma crise relacionada que já enfrentou inércia política, mas que agora ganha impulso internacional. Mas, quando se trata de obesidade, os governos ainda são acusados de intervencionismo se tentam regulamentar o setor.

Isso ocorre em parte porque, em vez de vermos a obesidade como desafio social, o que domina é o viés de escolha individual. Essa visão vem impregnada de culpas e mal-entendidos – e está por toda parte. As pessoas são simplesmente instruídas a se exercitar e comer mais vegetais – o equivalente a combater o aquecimento global pedindo que reciclem mais e viajem menos de avião. Os gurus da dieta e as empresas gastam bilhões em modismos de alimentos e exercícios que, no fim, acabam fracassando.

Quando as pessoas não conseguem controlar seu peso corporal, muitas vezes se culpam. Recentemente, entrevistei um homem que, após um tumor cerebral, desenvolveu obesidade grave – efeito colateral comum no seu caso. O tumor não foi diagnosticado por meses, enquanto os médicos lhe diziam para fazer dieta e se exercitar mais. Mas ainda hoje, ele me disse, o tumor parecia “uma desculpa” para a velha briga contra a balança, então ele não fala sobre isso com ninguém.

Outras pessoas também mencionam a vergonha. Uma coluna recente do Times de Londres argumentou que o fat shaming [zombar ou envergonhar pessoas obesas] é uma boa solução para a obesidade, assim como Bill Maher chegou a dizer que o movimento de positividade do corpo – uma “alegre celebração da gula”, disse ele – prejudica as pessoas ao tolerar o ganho de peso.

Muito pelo contrário: os pesquisadores descobriram repetidas vezes que o fat shaming machuca as pessoas e promove ganho de peso. Acredita-se que pelo menos algumas das consequências negativas para a saúde da obesidade sejam motivadas pelo estigma e pela discriminação, o que resulta em cuidados de saúde mais precários.

Até que vejamos a obesidade como algo que foi imposto às sociedades, não como algo que os indivíduos escolhem, o fat shaming, os truques mágicos e as políticas públicas ruins vão continuar. Até que paremos de culpar a nós mesmos e uns aos outros e comecemos a focar a atenção em ambientes e sistemas, a taxa global de obesidade continuará sua ascensão – tendência que nenhum país reverteu substancialmente, nem mesmo entre as crianças.

Material compartilhado / Tradução De Renato Prelorentzou – Foto: Divulgação

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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