O dilema do cigarro eletrônico –Por Renato Veras*

– No Brasil, o produto é proibido pela Anvisa desde 2009, mas pode ser encontrado em qualquer esquina-

Em dezembro de 2022, a mídia brasileira divulgou exaustivamente um estudo científico sugerindo que o consumidor de cigarro eletrônico tem chance de desenvolver câncer 20 anos antes que o fumante de cigarro convencional. Porém justamente a referência mais importante, que estava descrita na pesquisa e em formato de marca-d’água em todas as páginas do estudo, foi ignorada.

O próprio World Journal of Oncology destacou que o material era preocupante ou “Editorial expression of concern”. Isso significa que algumas informações provavelmente não foram verificadas e que a publicação analisava o conteúdo. Tanto que, alguns dias depois, o artigo foi atualizado com um aviso de retratação, algo que ocorre em casos de má conduta científica, plágio, erro generalizado de dados ou dados não comprovados.

Em 2022, pesquisadores da Universidade de Louisville avaliaram formulários que serviram como base para pesquisas científicas associarem os dispositivos eletrônicos a doenças como enfisema, doença pulmonar obstrutiva crônica, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. Perceberam que não existiam informações sobre quando os participantes começaram a vaporizar ou fumar e sobre quando foram diagnosticados com as doenças. O resultado impressionante foi publicado na revista Internal and Emergency Medicine: em mais de 94% de todos os casos, os diagnósticos ocorreram depois de os indivíduos fumarem cigarros convencionais regularmente.

O que isso quer dizer? Primeiro, comprova o que já sabemos: o cigarro eletrônico não é inócuo. É um produto de risco reduzido à saúde, uma alternativa menos prejudicial quando comparada ao cigarro convencional. Depois, esses casos evidenciam um problema grave: alguns estudos ignoram que muitos consumidores de cigarros eletrônicos são ex-fumantes.

Existem estudos científicos confiáveis que comprovam a redução de riscos dos dispositivos. Baseado numa revisão de 400 pesquisas, de setembro de 2022, o Ministério da Saúde inglês reafirmou que os vaporizadores são 95% menos prejudiciais que o cigarro comum. Isso significa que são 20 vezes menos nocivos. Esse é o relatório mais completo sobre o tema e foi encomendado pelo Departamento de Saúde Pública inglês ao King’s College London. Portanto seu conteúdo é independente.

O Ministério da Saúde britânico reconhece o cigarro eletrônico como uma alternativa de potencial risco reduzido à saúde e incentiva o consumo para substituição completa do cigarro convencional. Assim como a Inglaterra, cerca de 80 países já decidiram pela regulamentação.

Quando pesquisadores desconsideram informações, e evidências são ignoradas, a saúde entra em risco. No Brasil, o produto é proibido pela Anvisa desde 2009, mas pode ser encontrado em qualquer esquina. Segundo pesquisa Ipec de 2021, já há mais de 2 milhões de consumidores brasileiros. Enquanto a desinformação e o juízo de valor estiverem acima da saúde, além da já sabida exposição nociva à fumaça do cigarro convencional, os fumantes têm como opção os riscos desconhecidos de um produto ilegal, sem procedência de composição, segurança ou qualquer tipo de controle sanitário. Acredito que há um meio-termo possível para esse dilema: criar regras por meio da regulamentação para definir composição, produção, comercialização e faixa etária dos consumidores.

*O texto compartilhado pelo blogdellas é de Renato Veras, médico, professor titular e diretor da UnATI/Uerj, ph.D. pelo Guy’s Hospital da Universidade de Londres, editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, pesquisador do CNPq e consultor da fabricante de cigarros BAT Brasil. Foto: Divulgação.

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