O ataque às mulheres e à democracia como projeto de lei – Por Joyce Miranda Leão Martins*

 

A onda de lideranças populistas, que ganhou destaque a partir da eleição de Donald Trump em 2016, preocupou cientistas da política ao redor do mundo, ao constatarem que a adesão a tais personagens significava o rechaço a pilares fundamentais da democracia liberal, como a laicidade, a pluralidade de crenças e até os direitos humanos. No combo, como não podia deixar de ser, havia também o ataque a descobertas científicas, pois elas permitem o avanço e o vislumbre de um patamar de vida mais digna à humanidade.

Com raras exceções, as análises da erosão democrática deixaram de pontuar a centralidade do combate à igualdade de gênero para todas as lideranças que atualizam o mote do “Estado sou eu”. Em comum, voltam armas contra a educação inclusiva, a equiparação salarial, os direitos sexuais e reprodutivos, bradam até contra livros paradidáticos, como se estivéssemos num prelúdio da famosa obra de Ray Bradbury.

No Brasil, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva simbolizou um basta à negação tanto da ciência como do direito à vida digna. Mas a frente ampla aconteceu com acenos a parcelas conservadoras da sociedade, que ainda não veem as mulheres como sujeitos de direito. Ciente da oportunidade de enfraquecer o apoio ao governo federal, o congresso de Lira e suas bancadas do atraso aprovam com regime de urgência o PL 1904/24, dizendo às bases: nós solapamos mais direitos das meninas e das mulheres, nós somos os verdadeiros representantes dos interesses da moralidade excludente. O autor do requerimento foi o deputado Eli Borges (PL-TO), da Frente Parlamentar Evangélica.

Que esteja claro: o objetivo é retroceder a lei brasileira, que permite interromper a gravidez em caso de estupro. O projeto equipara o aborto, acima de 22 semanas de gestação, ao homicídio. Condenada por não ter fugido à violência, a mulher recebe em troca mais horror.

Os defensores do PL, nasceram de mulheres, namoram mulheres, casam-se com mulheres, mas têm horror ao gênero. Apenas lhe servem para o sexo e a reprodução. Já seria assustador se fosse apenas na obra literária de Margaret Atwood, mas a realidade tem o dom de piorar a imaginação. Ser mulher é não descansar; ser brasileira é perceber que os frágeis alicerces dos nossos direitos colocam em risco à Constituição de 1988 e se ligam a todas as conquistas agora questionadas.

Assim como indígenas (para não esquecermos do “marco temporal”) e outros grupos vulneráveis, somos o alvo fácil para o projeto maior que o ataque ao regime democrático e à ampliação da cidadania.

*Joyce Miranda Leão Martins é escritora, doutora em Ciência Política, professora da Universidade Federal de Alagoas e líder do Iaras – Núcleo de Estudos de Gênero.É ainda representante da UFAL no CEDIM (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher-AL ( joycesnitram@yahoo.com.br ) Texto exclusivo para o Blogdellas.

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