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No Brasil, o velho é sempre o outro”, provoca o gerontólogo Alexandre Kalache

– Uma autoridade em longevidade do mundo, o médico gerontólogo Alexandre Kalache destaca como o culto à juventude e à beleza dificulta a formulação de políticas para os idosos mesmo em um cenário de envelhecimento populacional –

O IBGE chegou com o Censo 2023 repleto de novidades e tendo a velhice como ponto de reflexão para os brasleiros.

O Brasil segue ganhando posição como um país dos grisalhos. E uma das maiores autoridades em longevidade do mundo, o médico gerontólogo Alexandre Kalache faz questão de provocar: “Para chocar e trabalhar nessa desconstrução, eu, com frequência, falo: ‘eu sou um velho’. Falo isso porque, no Brasil, parece que as pessoas veem isso como ofensivo. O maior elogio que você pode fazer para alguém é falar que ela não aparenta a idade que tem, como se isso fosse proibido”, diz ele, que tem 78 anos, e é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor de longevidade da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A discriminação etária – ou idadismo, como ele gosta de chamar o preconceito contra pessoas mais velhas – e a invisibilização do idoso, na visão de Kalache, não apenas excluem e isolam os idosos do convívio social, mas impedem que governos e organizações vejam essa população como detentora de direitos e potencialidades e trabalhem por melhores políticas públicas.

“O Brasil está entre os três países que envelhecem mais rápido. Vamos envelhecer em 19 anos o que a França envelheceu em 145 anos. De 2011 a 2030, vamos dobrar o índice de pessoas com 60 anos ou mais. Mas, no nosso País, ‘o velho é sempre o outro, não tem nada a ver comigo’”, provoca ele, citando a diferença do processo de transição demográfica vivido pelo Brasil em comparação com a maioria dos países europeus. Aqui, a queda nas taxas de fecundidade ocorreu de forma mais abrupta e o rápido avanço da Medicina nas últimas décadas aumentou também de forma mais célere a expectativa de vida.

Se por um lado, o envelhecimento deve ser celebrado, o País teve menos tempo do que nações europeias para se preparar para o cenário, confirmado pelos números do Censo 2022 divulgados nesta sexta, 27, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para além da corrida contra o tempo, Kalache diz que a visão da sociedade brasileira sobre a velhice traz dificuldades extras. “O envelhecimento da população não é uma surpresa, as taxas de fecundidade estão em queda desde o final do século passado. Então por que tão poucos setores da sociedade reagiram? A política tem ignorado esse fenômeno. Se o tema não está no radar dos partidos, não estará no radar dos governantes”, destaca ele.

O culto à beleza e à juventude, muito presente na sociedade brasileira, aumenta o preconceito com os que envelhecem, diz ele. “Somos campeões de botox, de cirurgias plásticas. Sofremos por ser uma sociedade hedonista, com uma busca pela juventude que se mostra tão fútil quanto inalcançável e, com isso, deixamos de investir recursos na população idosa, de reconhecer o capital humano que ela representa”, afirma.

Ele diz que, tomado por essa visão, o País não está formando profissionais da saúde para lidar com a nova realidade demográfica. “Médicos estão sendo formados da mesma forma que me formei, há 50 anos. São formados para atender principalmente crianças, gestantes e, na prática, vão ter que lidar muito mais com uma população idosa”, afirma.

Redação com o Jornal O Estado de São Paulo. Foto: Divulgação

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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