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Mulheres já chefiam mais de metade dos lares brasileiros

O crescimento de domicílios chefiados por mulheres, especialmente sem cônjuge, acelerou nos últimos dez anos, impulsionado pela maior inserção das mulheres no mercado de trabalho e sua autonomia financeira. No período, o número de lares chefiados por mães solo explodiu e explica boa parte do cena cenário atual, segundo levantamento feito para o Valor pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).


Os números, compilados pela economista Janaína Feijó com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), revelam que, juntamente com o crescimento do número de domicílios na última década, a quantidade de lares com mulheres ocupando a função de responsável da família (com a remuneração mais alta do lar) cresceu 72,9% entre 2012 e 2022, passando de 22,2 mi- lhões para 38,3 milhões. A participação das mulheres entre os responsáveis dos domicílios saiu de 35,7% para 50,9%, enquanto a dos homens caiu de 64,3% para 49,1%.

Os dados da PnadC mostram que participação de domicílios chefiados por homens casados com filhos caiu de 40,2% para 22,7%, na última década, em virtude do crescimento da participação de domicílios chefiados por mulheres casadas com filhos (de 8,8% para 17,1%) e mulheres casadas sem filhos (3% para 7,2%).Lares em que a pessoa de referência não possui cônjuge, mas sim filhos, cresceram de 10,9 milhões no quarto trimestre de 2012 para 13 milhões no último trimestre de 2022. O aumento de mães solo (que moram sozinhas com seus filhos e sustentam a casa) responde por 82,3% do crescimento. Segundo Janaína, esse fenômeno é explicado por mudanças econômicas e sociais. “A maior inserção da mulher no mercado de trabalho possibilitou o aumento da renda para muitas mulheres , trazendo autonomia e independência financeira para muitas mulheres”, afirma. “O aumento de mulheres como pessoa de referência também está associado às mudanças nas normas sociais e combates a estereótipos de gênero.”


Ela argumenta que esses arranjos já eram característicos de países desenvolvidos, mas menos perceptíveis aqui. O que vem ocorrendo, diz Janaína, é um processo de maior equidade na proporção de homens e mulheres considerados chefes no domicílio. “ E também tem a ver com a postergação da maternidade. “As mulheres assumem protagonismo na família, se inserem no mercado, muitas decidem postergar a maternidade, o que faz com que permaneçam no mercado, ocupem posições mais estratégicas na em- presa e ganhem mais”, acrescenta.Isso explica em parte por que o número de lares chefiados por mães solo mais que quadruplicou em relação ao total de domicílios chefiados por pais solo. Enquanto os chefiados por mães que moram apenas com seus filhos cresceu 1,7 milhão, indo de 9,55 milhões em 2012 para 11,25 milhões em 2022, os de pais solo aumentou em 370 mil, indo de 1,39 milhão em 2012 para 1,76 milhão em 2022, de acordo com o levantamento.

O cenário também reflete a dinâmica demográfica da sociedade, argumenta Patrícia Costa, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estu- dos Socioeconômicos (Dieese).“A mulher vem aumentando a participação no mercado de trabalho desde os anos 1970 e 1980. Isso trouxe configurações diferentes para as famílias. Há uma redução de famílias nucleares com cônjuge e filhos para aumenta a daquelas em que mulheres ou homem moram sozinhos ou com filhos”, afirma.“ Quando olhamos as famílias monoparentais, vemos prevalência de famílias chefiadas por mulheres. Há um maior número de casamentos desfeitos. Com isso, as mulheres assumem [a criação dos] filhos e passam a ser as chefes de família”, continua.

De acordo com a economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o aumento do número de mães solo deve-se a uma questão cultural.“É muito arraigada a ideia de atribuir à mãe a questão do cuidar . Como a mulher é a que pare e amamenta, então, historicamente, ela é muito associada à questão de cuidados. E não apenas da criança, mas de idosos e deficientes também”, afirma. No longo prazo, argumenta Camarano, a tendência é essa sobrecarga à mãe ser reduzida. “Isso tende a mudar, com aumento do número de pais solo e de casos de guarda compartilhada”, prevê.

No livro “Cuidar, Verbo Transitivo: caminhos para a provisão de cuidados no Brasil”, que ainda será publicado pela editora do Ipea, Camarano e Daniele Fernandes lembram que, “apesar do aumento da inserção das mulheres nas atividades econômicas, elas continuam sendo as primeiras responsáveis pelas atividades de cuidados, pois a participação masculina nesta esfera não acompanhou o crescimento das mulheres no mundo do trabalho”.


Mães têm mais desemprego e menos renda

Apesar do crescimento de domicílios chefiados por mães solo — que moram apenas com filhos e sustentam a casa —, esse grupo é que mais enfrenta dificuldades no mercado de trabalho hoje. Em 2022, a proporção de desempregadas entre as mães solo foi de 7,3%, maior do que a pro porção entre mães casadas (4,4%) é mais do que o dobro da taxa verificada para pais casados (3,2%) e pais solo (3,4%), segundo dados da Pnad Contínua compilados por Janaína Feijó, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

A proporção de mães solo fora da força de trabalho foi de 29,4%, quase três vezes mais que a de pais casados (7,8%) e menor que a de mães casadas (37,6%).“A presença de um cônjuge que trabalha permite que algumas mães saiam da força de trabalho para se dedicar à maternidade”, diz Janaína. “Já as mães solo são obrigadas a ir para o mercado para poder ter renda familiar.” “A presença de um cônjuge que trabalha permite que algumas mães saiam da força de trabalho para se dedicar à maternidade”, diz Janaína. “Já as mães solo são obrigadas a ir para o mercado para poder ter renda familiar.”Em relação aos rendimentos do trabalho, mães solo ganham em média R$ 2.105 por mês, 38,8% a menos do que os pais casados ou solo (R$ 3.440) e 19,8% a menos do que as mães casadas (R$ 2.626).

O levantamento mostra que a renda familiar proveniente do trabalho nos lares de mães solo foi de R$ 2.199 em 2022, e nos de mães e pais casados ficou em R$ 5.040.Em termos de renda per capita, a das mães solo foi a mais baixa (R$ 797 por pessoa do domicílio), quando comparada à de pais solo (R$ 1.485), mães casadas (R$ 1.385) ou pais casados (R$ 1.384).O salário-hora dos pais (casados ou solteiros) foi de R$ 20,3, enquanto das mães casadas chega a R$ 18, e o das mães solo, R$ 14,6.“As mães solo tendem a buscar jornadas flexíveis ou a aceitar bi- cos e trabalhos informais que permitam maior equilíbrio entre responsabilidades familiares e trabalho, mesmo que sejam salários menores e não compatíveis com o nível educacional”, diz Janaína, ao lembrar que elas trabalham, em média, 155,5 horas por mês, 24,5 horas a menos que pais casados.

Patrícia Costa, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), alerta para a reprodução das desigualdades em lares chefiados por mães solo. “As dificuldades no mercado para essas mães acabam se refletindo no domicílio”, diz. “Há parcela expressiva dessas mulheres no emprego doméstico. O rendi- mento per capita nesses lares equivale ao valor da cesta básica individual em São Paulo. Se o filho precisar trabalhar antes para com- por a renda, há risco de a condição de pobreza se perpetuar.”

Blogdellas com veículos (Valor). Fotos- Google- Divulgação

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