Mulheres esquecidas pela ciência-Por Natalia Pasternak*

 


Não é novidade que mulheres tenham sido negligenciadas na história como cientistas e pesquisadoras. Também não é novidade que a inclusão no meio científico de mulheres e de outros grupos e etnias menos privilegiados aumenta a diversidade de ideias e de perguntas relevantes na pesquisa científica, contribuindo para o avanço da ciência. Nesta coluna já contamos a história de como a primatologia, por exemplo, se beneficiou da presença de cientistas mulheres, que ao contrário dos seus colegas homens, não enxergavam as fêmeas das sociedades de primatas não humanos apenas como recurso a ser disputado pelos machos, mas como agentes capazes de iniciativa, ampliando nossa compreensão de como essas sociedades funcionam.

O que talvez seja menos conhecido é o fato de que as mulheres —e as fêmeas de vertebrados como um todo —também estão sub-representadas nos testes de pesquisa biomédica, seja em pesquisa básica com animais, ou em pesquisas clínicas de tratamentos e medicamentos com humanos. Ou seja, muitas pesquisas testam medicamentos apenas em indivíduos do sexo masculino, o que pode comprometer os resultados.

Há um medicamento para dormir que é metabolizado mais devagar por mulheres do que por homens. Como o fármaco perdura mais no organismo feminino, mulheres ficam sonolentas por mais tempo, afetando a indicação de bula do tempo seguro para dirigir após tomar o remédio. Depois de estudos mais abrangentes, a FDA, agência sanitária dos EUA, corrigiu a dosagem. Diferenças de metabolismo, tamanho, massa muscular, tudo isso pode afetar como mulheres e homens reagem ao mesmo medicamento. Foi apenas em 1993 que os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) tornaram obrigatória a inclusão de mulheres e minorias étnicas em estudos clínicos. E só em 2016 o sexo passou a ser uma variável obrigatória na análise dos resultados.

Estudos recentes apontam financiamento inferior para pesquisas sobre tratamentos de doenças que afetam desproporcionalmente mais mulheres do que homens, a despeito do fardo das doenças para a saúde pública: se duas doenças causam o mesmo prejuízo à sociedade (em horas de trabalho perdidas, renda, número de mortes) a que afeta mais os homens do que as mulheres tende sempre a receber mais verbas. Pesquisa publicada pelo Instituto Nacional do Câncer nos EUA reportou que no período de 2007-2017, câncer ginecológico teve menos verba do que outros cânceres com igual letalidade. Câncer de ovário estava em quinto lugar para letalidade, mas em décimo-segundo no financiamento.

Doenças cardiovasculares estão no topo da lista das causas de morte de mulheres nos EUA, mas ainda assim apenas um terço dos participantes de testes clínicos para medicamentos são do sexo feminino. A situação é ainda pior para mulheres não brancas: estudo clínico de medicamento para doença cardíaca publicado em 2015 trazia apenas 3,2% de mulheres negras. Sintomas de condições cardíacas também costumam ser diferentes para homens e mulheres, o que pode comprometer e atrasar diagnósticos.

Criar incentivos e regras para aumentar a presença de mulheres na pesquisa científica é necessário. Mas não só. Em meio à recente polêmica sobre a descriminalização do aborto levantada no STF, é preciso notar que a negligência sobre assuntos de saúde pública que envolvem o corpo feminino vai muito além dos direitos reprodutivos. Aumentar o número de pesquisadoras mulheres certamente ajuda, contribuindo para a diversidade de ideias e de objetivos de pesquisa. Mas o necessário é aumentar a representatividade de mulheres em todas as áreas do conhecimento e da gestão pública. Do contrário, veremos, para sempre, questões que afetam desproporcionalmente a vida e a qualidade de vida das mulheres sendo decididas por homens.

*Natalia Pasternak é microbiologista, com PhD e pós-doutorado em Microbiologia, na área de Genética Bacteriana na Universidade de São Paulo. Escreve para coluna no Jornal o Globo. Texto compartilhado. Foto-Divulgação.

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