Igreja Católica no meio do furacão da política

 

A Igreja Católica, que é contrária a manifestação política de padres e bispos – só recomenda isso aos fiéis leigos e longe dos templos – não está conseguindo resistir à guerra espiritual criada em torno da eleição deste ano. Padres estão nas redes sociais divulgando vídeos a favor de um dos dois candidatos em segundo turno – Lula ou Bolsonaro – e no último dia 12, quando militantes católicos bolsonaristas foram rezar o rosário na Igreja de Aparecida, os padres redentoristas fecharam o templo e mandaram tocar o sino durante uma hora para impedí-los, em função dos tumultos seguidos no local. Antes entraram em contato com o presidente, que estava em Aparecida, convencendo-o a não ir ao lugar onde o rosário seria rezado, no que foram atendidos.

Desde que o presidente Bolsonaro ganhou a grande maioria dos evangélicos em todo o país, posicionando-se contra o aborto, a ideologia de gênero e a descriminalização das drogas, que os católicos tradicionalistas aderiram em cheio a esse propósito. Primeiro em reuniões fechadas e depois nas redes sociais. Os padres famosos e de milhões de seguidores na Internet como Marcelo Rossi, Reginaldo Manzotti e padre Fábio de Melo estão fora dessa discussão, seguindo a orientação dos bispos, mas em paróquias no país inteiro alguns padres, não tão famosos mas com muitos seguidores e as grandes lideranças leigas, pregam com insistência o engajamento na disputa política ao lado dos conservadores.

Entre os mais engajados na realização de jejuns e de “orações a favor do Brasil”, desde a celebração do 7 de setembro, e que conseguem reunir multidões são Ironi Spuldaro(pregador), com 424 mil seguidores no Instagran e 534 mil no Facebook, e os cantores/pregadores Tony Alisson com 1 milhão de seguidores no Instagran e igual número no Face e Dunga com 545 mil seguidores no Instagran e 466 mil no face. Só um é sacerdote, o Frei Gilson (pregador e cantor) com mais de 2 milhões de seguidores. Embora não costumem citar nominalmente o presidente, quando fazem ou pedem orações pelo Brasil, a associação é imediata.

Bispos contidos

Com a divisão tomando conta, os bispos, aos quais caberia, se fosse o caso, impedir as manifestações políticas, estão calados. Apenas o bispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes que, todos os anos, faz um discurso claramente contrário às posições à direita e o pacífico Dom Alberto Taveira, de Belém, se manifestaram este ano. O primeiro por ter sido criticado pela homilia em Aparecida no último dia 12, no que redundou no cancelamento do Rosário com Bolsonaro, e Dom Alberto ao divulgar nota criticando manifestações políticas no Círio de Nazaré, ao qual o presidente compareceu. Todos os anos na festa de Aparecida os políticos comparecem, inclusive Dilma, quando era candidata lá esteve, mas com os ânimos acirrados deste ano acabaram por esgarçar o entendimento.

CNBB se confunde

De tão séria, a divisão católica levou a CNBB a cometer um equívoco esta semana, divulgando nota e pedindo punição para o deputado estadual por São Paulo Frederico D’avilla, do PL, que, chamou, na Tribuna da Alesp, Dom Orlando e o Papa Francisco de “safados”e “vagabundos”, quando o fato tinha ocorrido há um ano. Na época, o deputado não só se desculpou como foi punido pela Assembléia mas ficou por aí. Agora, partidários de Lula o reproduziram o pronunciamento nas redes, como se fosse recente, e isso aflorou ainda mais o ambiente tumultuado do período pré-eleitoral.

Uma voz sensata

Uma voz sensata vem se manifestando nas redes sociais, a do veterano cardeal Dom Odilo Scherer, frequentador assíduo do Twitter. Ele tem escrito seguidas mensagens pedindo paz aos católicos e chamando a atenção para o fato de que a eleição é passageira e não tem sentido a divisão inclusive familiar por conta da política. Numa dessas, escreveu “A fé em Deus permanece depois da eleição, assim os valores morais, a justiça, a fraternidade, a amizade e a família. Não vale a pena colocar tudo isso no caldo da briga política”. Dom Odilo foi indagado por um bolsonarista semana passada se era comunista por usar batina vermelha. Ele teve que explicar que esta é a cor tradicional dos cardeais. Depois, por conta da insistência no tema, desabafou “às vezes parece-me viver os tempos da ascenção ao poder dos regimes totalitários, especificamente o fascismo”.

Evangélicos e católicos

A verdade é que, embora sejam mais abertos em termos de costumes do que os evangélicos, os católicos estão divididos entre liberais e tradicionalistas, estes, em termos de moral, iguais aos evangélicos. Então, embora os evangélicos se expressem mais, também há no catolicismo grande número de pessoas, as que mais frequentam as Igrejas, que rezam pela mesma cartilha. Recente levantamento do UOL mostrou que, no primeiro turno deste ano nos municípios com 10% de evangélicos Lula teve quase 70% dos votos e Bolsonaro perto de 30%. Já nos que tinham 90% de evangélicos Bolsonaro teve quase 70% e Lula 30%. Daí se explica a alta votação de Lula no Nordeste onde, sobretudo no interior, a grande maioria da população ainda é católica.

Pergunta que não quer calar: quem vai ganhar a guerra espiritual nas eleições deste ano?

E-mail: terezinhanunescosta@gmail.com

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