Governo Inclusivo: Funai também ficará sob o cocar de Guajajara
-Eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela Revista Time em 2022, a líder indígena é formada em enfermagem e fez pós-graduação em educação especial-
Sônia Guajajara, deputada federal pelo PSOL, agora ministra dos Povos Indígenas tambem cuidará da Funai, órgão voltado à proteção dos indígenas e que atravessou um dos seus piores momentos durante o atual governo .Pela primeira vez, a fundação, criada no fim dos anos 1960, que tem a atribuição também de demarcar os territórios das centenas de etnias existentes no país, ficará nas mãos de um dos seus.
“Esse é o início de uma reparação histórica que o governo brasileiro tem para com os indígenas, pela negação dos direitos e pela invisibilidade. Além disso, é o reconhecimento do protagonismo das mulheres indígenas. Então, é de fato uma emoção muito diferente, um misto de sensações que eu nunca senti antes” , diz a nova ministra.
Aqui um pouco do que pensa Guajajara:
Quais as medidas mais urgentes para se tomar na questão indígena?
Por ser um ministério que está sendo criado agora, vamos precisar colocá-lo de pé, estruturar primeiro a nossa equipe. Mas de imediato é muito importante uma articulação com os ministérios afins e também com a Presidência para colocar em curso a ação de retirada dos invasores de territórios indígenas como o dos Ianomâmis, de proteção no Vale do Javari. Para isso, já estamos pensando para os primeiros cem dias em uma visita do próprio presidente Lula in loco para dar início a essas ações concretas. Temos também a missão de resgatar o orçamento para a causa indígena. Há um risco grande de a saúde indígena entrar em colapso. Vamos fortalecer a Sesai (secretaria voltada para a saúde dos indígenas), que vai continuar sob o guarda-chuva do Ministério da Saúde.
Como será feita a integração da Funai à pasta?
A Funai sai da alçada do Ministério da Justiça e passa a responder diretamente ao Ministério dos Povos Indígenas. Essa discussão foi feita com a equipe de transição e o grupo técnico formado por indígenas para que o ministério comece forte. Portanto, o órgão será uma autarquia dentro da pasta, com seu orçamento próprio (R$ 800 milhões) e com a promessa de que ele seja complementado. O Ministério vai ter também um aditivo em seu orçamento, ainda a se discutir com o Rui Costa (ministro da Casa Civil).
Como foi a conversa que você teve com Lula? Você chegou a dizer que tinha algumas condições para aceitar o ministério…
Eu encontrei com Lula por volta da última quarta-feira. Ele mandou me chamar e disse: “Soninha, eu te indico e te convido para ser a ministra dos povos indígenas. E pode contar comigo, você tem aqui um grande parceiro”. Eu coloquei para ele a necessidade de se rever a questão orçamentária, olhar com carinho e prontidão que se deve para a questão fundiária e de demarcação das terras indígenas. Precisamos desse gesto para com os povos indígenas e assim começar a suprir todo o desmonte e negligência que foram os quatro anos do governo Bolsonaro.
Como fica a questão da demarcação das terras?
Ela não passará mais pelo Ministério da Justiça. Teremos com a pasta apenas ações transversais com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantir as ações de retirada e pedidos de operações que, claro, terão que passar pela Justiça.
Como você avalia o impacto do governo Bolsonaro nesses últimos quatro anos para a a causa indígena?
Foi uma verdadeira tragédia, uma negligência total. O prejuízo que fica é terrível e, em alguns pontos, irreversível. Vamos ter que reconstruir tudo o que o que eles destruíram. Mas estou confiante. Eu fui perseguida pela Funai e pelo presidente Marcelo Xavier e acabei sendo nomeada ministra. Coincidência ou não, no dia em que ele foi exonerado do cargo. Então é isso, né? O mundo dá voltas.
Como você vê a divergência entre algumas lideranças da Amazônia sobre a escolha do seu nome?
Olha, eu nem creio que sejam divergências, acho que é uma reação natural. Mas vale ressaltar que ninguém estava contestando meu nome. O que algumas lideranças que apoiaram a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) queriam era deixar o Congresso mais fortalecido, já que ela vai terminar o mandato e eu acabei de ser eleita. Pelo fato de o Congresso ser um local estratégico para nós, palco de muitas retiradas de direitos e também de aprovação de medidas que impactam diretamente nossos territórios. Isso é natural. Eles queriam me ver brigando ali contra ruralistas e parlamentares avessos às nossas pautas. Mas se queremos “aldear a política” para as nossas demandas, acho que estar no Legislativo, no Executivo e no Judiciário também é muito significativo.
A sua relação com Joenia acabou desgastada no processo de escolha de quem ocuparia a pasta?
Não, de jeito nenhum. A gente se encontrou, nos cumprimentamos, tiramos fotos juntas ao final do anúncio e falamos da importância de conversar.
A questão dos indígenas isolados e dos povos que habitam a Amazônia terá alguma atenção especial?
A Amazônia é gigante e tem problemas históricos. Eu acho que não tem que ter um olhar mais para um do que para o outro. A gente tem que olhar a realidade regional e buscar soluções para cada uma delas. A questão dos isolados é considerada prioritária para o ministério, para a Funai e para o presidente. Lula afirmou para mim que vai visitar o território Ianomâmi e também no Vale do Javari.
Você pretende trazer para o ministério a questão das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips?
Essa é uma preocupação que não pode ser só nossa. O governo federal, em sua maioria, tem que se envolver nela. Precisamos fazer uma ação transversal para a proteção dos territórios, a segurança dos indígenas e dos indigenistas e servidores da Funai.
Você concorda com a ideia de dar aos servidores da Funai poder de polícia e liberação do porte de armas para atuarem nas áreas de maior risco?
Sim, sou de acordo. Isso já foi discutido no GT (grupo técnico) de transição e há total acordo entre nós. E a questão do brutal assassinato do Bruno tem a ver com isso. Essa tragédia precisa se reverter em medidas de proteção para os povos indígenas que Bruno tanto defendeu.
Redação com entrevista concedida pela Ministra ao Jornal O Globo . Foto: Divulgação
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