Feminicídios em alta trazem desafios ao novo governo
– Estatísticas mostram crescimento de 11% desde 2019, período em que os homicídios caíram no Brasil-
Na tarde de 11 de dezembro, Rosineia Catarina Lach, 30 anos, foi assassinada pelo marido, Antônio Batista Fagundes de Oliveira, de 34, na casa de parentes em Joinville, Santa Catarina. Foi esfaqueada com um dos filhos no colo. A criança se feriu, mas sobreviveu. Há pelo menos uma década, ela denunciava ameaças, a última feita na manhã do dia fatídico. Em vão. O assassino acabou morto pela polícia ao reagir à prisão.
Histórias trágicas como a de Rosineia acontecem com regularidade desconcertante no Brasil. A cada dia são registrados quatro feminicídios, majoritariamente de mulheres negras (62%). Mudam nomes de vítimas e agressores, armas usadas ou cenários dos crimes, mas o roteiro que mescla covardia, brutalidade e negligência das autoridades é quase sempre o mesmo.
O país somou, apenas no primeiro semestre deste ano, 699 feminicídios, um recorde segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Não é só o número absoluto que preocupa, mas sobretudo a escalada. As estatísticas mostram um crescimento de 10,8% desde 2019. Em relação ao primeiro semestre do ano passado, quando 677 mulheres foram assassinadas, o aumento foi de 3,2%. Pode não parecer muito, mas é preciso observar que os homicídios estão em queda no país (5% na comparação com o primeiro semestre de 2021). Os feminicídios estão na contramão dos indicadores de violência. Além disso, os totais mascaram disparidades. Na Região Norte, o aumento foi de 75% em quatro anos. No Centro-Oeste, de quase 30%.
É verdade que parte desse aumento, sobretudo em regiões menos desenvolvidas, pode ser atribuída ao incentivo para que crimes antes registrados como homicídios comuns sejam classificados como feminicídios, tipo penal relativamente recente na legislação brasileira (foi criado em 2015). Mas seria absurdo pôr a culpa na legislação pelo aumento da violência contra mulheres. Ao contrário, as mudanças legais representam um avanço essencial no combate a crimes antes ignorados por passar despercebidos, como afirmou em artigo no GLOBO a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber.
Ela cita como exemplo a Lei Maria da Penha, que busca coibir esses crimes “fortalecendo os mecanismos de proteção às mulheres em situação de violência e dando concretude a medidas para afastar o agressor”. Entre janeiro de 2020 e maio de 2022, o Brasil registrou mais de 572 mil medidas protetivas de urgência com base nessa lei.
Também são louváveis as campanhas e programas para denunciar e prevenir casos de violência doméstica, como as patrulhas Maria da Penha, que fazem rondas para verificar a situação de mulheres ameaçadas por companheiros ou ex. Mas todo esse arcabouço não tem sido suficiente para deter as atrocidades. O atual governo reduziu verbas para o combate à violência contra as mulheres, e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos preferiu se ocupar com a pauta ideológica do bolsonarismo.
O novo governo prometeu recriar o Ministério da Mulher. A primeira tarefa será debruçar-se sobre esses números alarmantes para tentar reduzi-los. Espera-se que, diferentemente do que aconteceu até agora, a pasta receba recursos para desenvolver políticas públicas e deixe de lado a guerra ideológica. Ou teremos ainda mais vítimas.
Redação Blogdellas com veículos (Editorial de o Globo de 19.12.2022) e assessorias – Fotos: Divulgação
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