Etarismo: o preconceito que anula a melhor idade – Por Anabela Alencar*

 

Escolho a palavra esperança para apostar no que virá neste novo ano novo que considero viver um especial tempo de renovação. De reinício.

Em meio as inegáveis reflexões de final de ano, li dias atrás sobre a ginasta húngara Agnes Keleti, símbolo de vitalidade que morreu no último dezembro, aos 103 anos. Ela foi cinco vezes campeã olímpica, sobreviveu à perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial. Agnes teve seu primeiro Ouro nos jogos de Helsinque em 1952, quando já considerada “madura”, aos 31 anos, visto que nesse segmento a maioria das ginastas já está aposentada. Quebrou barreiras, portanto. Um exemplo. De vida. De superação.

Tenho ao meu lado, no dia a dia, exemplo de inspiração. Minha mãe Moema Araripe, 82 anos, que se mantém firme, a praticar exercícios diários, vida social ativa. Ela ensina com sua determinação que podemos alcançar muito do que desejamos, a qualquer idade. E é com essa mentalidade que, após a aposentadoria como funcionária pública, aos 75 anos, ampliou sua agenda de atividades, ao contrário de muitas mulheres que nessa faixa etária tendem a ficar ociosas e a dedicarem o tempo livre para cuidar dos netos, da casa, da família. Minha mãe faz musculação diariamente, com supervisão de profissionais especializados. Como eu, também é uma entusiasta da prática e faz terapia. Participa de maratonas, grupos de caminhada, faz balé, integra grupo de leitura, curso de pintura (já participou de duas exposições ) e escreve, no momento, um livro sobre seu bisavô, Cel.Nelson de Alencar, figura pública da família Alencar, em Fortaleza.

Agnes e Moema me levaram a sérias reflexões de fim de ano. Andei pensando sobre o tema etarismo.

Sabemos que o envelhecimento nos traz um ar de sabedoria. É o envelhecer de alguém um testemunho real que passou por longa jornada na vida. Mas, para a sociedade, a idade ainda é vista como sinônimo de perdas, de beleza , vitalidade. Os idosos vivem pressão permanente, na qual a estética é um dos fatores significantes que nos torna mais vulneráveis. Muito tenho presenciado e ouvido também sobre o nível crescente de desrespeito aos idosos na sociedade.

Sabemos que combater o etarismo é uma tarefa de todos e todas e que nunca se fez tão urgente a formação de movimentos que reajam a essa prática. E a luta contra o etarismo começa ao nosso redor. Ele existe e é cruel. De acordo com o estudo Idosos no Brasil-2020, pelo Sesc São Paulo e pela Fundação Perseu Abramo, 81% das pessoas com mais de 60 anos dizem já ter vivido situações de preconceito contra o idoso no Brasil. E é apavorante constatar que 18% já foram maltratados até em serviços de saúde e 19% sofrido violência física ou verbal.

Chama atenção ainda como os mais jovens enxergam os idosos negativamente, como “um incômodo”. De tão arraigado, o etarismo se reproduz até no nível das leis. Foi só no início do ano passado que o STF , de forma unânime, tornou possível aos maiores de 70 anos escolher o regime de bens a ser aplicado nos casamentos ou uniões estáveis. Até então, pelo nosso Código Civil, eles só tinham direito de se casar no regime de separação de bens, uma forma nada sutil de, sob o pretexto de proteger os eventuais herdeiros, determinar que essas pessoas são incapazes de fazer as próprias escolhas.

Muitas vezes tratados com piadas e brincadeiras grotescas até nas horas de comemorações como do apagar as velinhas no Parabéns pra Você, a discriminação por idade pode acarretar consequências graves para a saúde e o bem-estar dos idosos. O etarismo é cruel também no sentido de aumentar o isolamento social e o sentimento de desamparo, restringe sua capacidade de expressar a própria sexualidade e aumenta o risco de violência e abusos e ainda contribui para a insegurança financeira dos idosos, uma vez que são excluídos do mercado de trabalho.

A transição demográfica em curso no Brasil acena para um quadro no qual fará com que, em poucas décadas, nos tornemos um país de adultos e idosos. O IBGE aponta que cerca de um terço da população terá mais de 60 anos em 2060. Não vamos deixar, portanto, desde já, que ninguém venha dizer que nós da faixa dos além dos 50 + já passamos do nosso auge.

*Anabela Alencar é empresária, com mais de 30 anos de trabalhos nas áreas de marketing e administração de empresas.
E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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