Estado de Direito e Democracia no Brasil – Por José Maria Nóbrega*

 

Segundo a Economist Intelligence Unit, “quase metade da população mundial vive em uma democracia de algum tipo (45,4%), mas apenas 7,8% residem em uma “democracia plena” (pontuações acima de 8,00). Substancialmente mais de um terço da população mundial vive sob regime autoritário (39,4%)”. O Brasil, pela classificação da EIU é classificado como “democracia falha” com o escore médio global de 6,68 no ano de 2023.

No índice de Estado de Direito do Projeto World Justice Project (2024), o Brasil apresentou recuo em seu indicador médio de Estado de Direito entre 2012 e 2023 na ordem de -15,5%, conforme pode ser visto na tabela linhas abaixo. Em 2023, esse dado foi de 4,9.

Ambos indicadores são mensurados numa escala ordinal. O índice de democracia em tela é medido entre 0 e 10, quanto maior mais democrático, e o índice de estado de direito é medido entre 0 e 1 (parametrizado aqui para fins de comparação e correlação); e também quanto maior o indicador, maior é o nível de estado de direito.

Tabela 1. Relação entre os índices de Estado de Direito do Rule of Law Index (WJP) e de Democracia do Democracy Index (TE)

O índice de democracia do Democracy Index classifica os países em quatro categorias de regimes políticos: a. democracias plenas; b. democracias falhas ou imperfeitas; c. regimes híbridos; e d. regimes autoritários. As democracias plenas são classificadas no escore médio 8 a 10; as democracias falhas são classificadas entre 6 e  7,99; os regimes híbridos entre 4 e 5,99; e os regimes autoritários com indicadores abaixo de 4.

A democracia é medida em cinco critérios ou procedimentos: 1. processo eleitoral e pluralismo político; 2. funcionamento do governo; 3. participação política; 4. cultura política; e 5. liberdades civis. A nota do Brasil nesses cinco critérios em separado para o ano de 2023 foi: 1 (9,58); 2 (6,07); 3 (6,11); 4 (5,0); 5 (7,65). Apresentando a melhor performance no critério de processo eleitoral e pluralismo.

Teoricamente, podemos indicar cada procedimento democrático da seguinte forma:

1. Processo eleitoral e pluralismo: que diz respeito a eleições livres e limpas, com pluripartidarismo e efetivos mecanismos de inclusão e contestação (DAHL, 2005);
2. Funcionamento do governo: que avalia o aspecto republicano do funcionamento dos governos e sua capacidade de accountable (O´DONNELL, 1998);
3. Participação política: se há liberdade política dos cidadãos de se manifestarem e de se associarem a qualquer agenda legal, com participação efetiva em fóruns decisórios (AVRITZER, 2000);
4. Cultura política: se há tolerância a divergências de opiniões (SCHUMPETER, 1984; HELD, 1987);
5. Liberdades civis: se há estado de direito usável para a maioria dos cidadãos (BOBBIO, 1988). (APUD NÓBREGA JR., 2023).

As piores performances se deram em: cultura política, funcionamento do governo e participação política.

O indicador de estado de direito do Rule of Law Index traz em sua definição um conceito multivariado no qual o indicador é analisado em cima de oito fatores ou critérios: 1. Poderes Governamentais Limitados; 2. Ausência de Corrupção; 3. ordem e segurança; 4. direitos fundamentais; 5. governo aberto; 6. aplicação regulatória; 7. justiça civil; e 8. justiça criminal.

Na tabela 1, temos a relação entre esses dois indicadores ao longo da série histórica 2012 a 2023. A variação percentual é negativa nos dois históricos dos dados, ou seja, uma queda na qualidade da democracia brasileira na ordem de -15,5% e uma queda no estado de direito de -6,%. A correlação entre os dois é significante na ordem de 0,617 o que pode ser ilustrado no gráfico de dispersão abaixo.

No gráfico, podemos ver como há uma tendência de crescimento da qualidade da democracia quando da melhoria dos indicadores de estado de direito. Retirando o out lier em 2014 – quando o indicador de estado de direito de 5,4 esteve na mesma linha do melhor indicador de democracia da série histórica (7,38) -, a linha de ajuste logarítmica aponta para o reforço da correlação.

Dessa forma, podemos concluir que há uma tendência de queda na qualidade da democracia brasileira em associação a queda da efetividade de seu estado de direito, o que vai ao encontro da afirmação de Mainwaring e Pérez-Liñán (2023) na qual “na maior parte da América Latina, a má qualidade e baixa capacidade do Estado trabalham contra o aprofundamento democrático. A corrupção é crônica, crimes frequentemente ficam impunes…” (P. 98).

Referências
ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT. Democracy Index 2023. Age of Conflict.
NÓBREGA JÚNIOR, José Maria P. da. “Deteriorando a Democracia na América Latina”. REVISTA ESTUDOS POLÍTICOS. ISSN 2177-2851, Volume 14_ Número 28 2023/02
MAINWARING, S.; PÉREZ-LIÑÁN, A. “Por que as democracias da América Latina estão estagnadas”. Journal of Democracy em Português 12, nº 1 (Junho 2023).
The World Justice Project Rule of Law Index. ISBN (print version): 978-0-9964094-7-6.

*Texto compartilhado pelo Blogdellas de José Maria Pereira da Nóbrega Júnior, Doutor em Ciência Política pela UFPE. Professor Associado da UFCG.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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