É impossível os adolescentes terem sono saudável com aulas escolas às 7h’, diz neurocientista
Fernando Louzada, neurocientista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR ), que pesquisa a relação entre o sono e o desempenho escolar , defende em entrevista ao Jornal O Globo o adiamento em ao menos uma hora do começo das aulas e explica por que jovens sofrem de uma tendência natural a atrasar o momento de dormir.Em julho, entrou em vigor no estado da Califórnia, nos EUA, a primeira lei do país que obriga as escolas a começarem as 8h30 para os estudantes do Ensino Médio. A mudança foi embasada em estudo que mostra como as mudanças biológicas da puberdade afetam o sono, o desempenho . A adaptação dos horários para adolescentes, especialmente em países como o Brasil, onde aulas podem começar até 7h, é uma discussão que cresce , impulsionada pelo apelo de cientistas. Um dos nomes brasileiros que fazem coro ao discurso é o neurocientista Louzada. Doutor em Neurociências e Comportamento pela USP, o pesquisador coordena o Laboratório de Cronobiologia Humana da Universidade Federal do Paraná, onde é professor e participa da Rede Nacional de Ciência para Educação e do Núcleo Ciência pela Infância. Ele cita experiências nacionais que mostram os benefícios de se adiar em ao menos uma hora o começo das aulas, explica que adolescentes sofrem de uma tendência natural a atrasar o momento de dormir e esclarece que a faixa etária demanda uma quantidade maior de horas de sono, que não é alcançada com o modelo de ensino atual. Vejamos essa conversa que muito interessa aos educadores e país :
Quanto de sono os adolescentes precisam e de que forma o horário das aulas escolares no Ensino Médio brasileiro, que começam geralmente às 7h, interferem nessa dinâmica?
Os adolescentes precisam de mais sono do que os adultos, em média de nove horas. Só que existe um fenômeno nessa idade chamado de atraso de fase do sono, que é uma tendência natural e universal a atrasar os horários de dormir e, consequentemente, de acordar também. Por isso, verificamos que a maioria dos adolescentes, principalmente nos grandes centros urbanos, dormem bem menos que isso durante os dias letivos. A equação é bem simples. Se as aulas começam às 7h, e muitos precisam acordar às 6h para chegar a tempo, seria necessário dormir às 21h. Mas é muito difícil pensar em adolescentes, com a tendência ao atraso do sono, dormirem nesse horário. Por isso, não há como um horário de início das aulas às 7h preservar o sono necessário dos adolescentes, o que levou muitos países a implementarem um horário mais tarde, e temos discutido muito isso aqui no Brasil.
Como saber que o atraso de fase do sono é algo inerente ao adolescente, e não resultado de hábitos que prejudicam o descanso, como excesso de telas?
Sempre recebemos essa pergunta, se o fenômeno é biológico, ou seja, está mais incorporado à espécie humana, ou se é cultural, influenciado pelos hábitos e pela cultura. Nós temos estudado isso de diversas maneiras. Uma delas, foi estudando comunidades rurais, populações sem acesso a energia elétrica, no Brasil e em outros países, e observamos que essa tendência é universal, presente em todos os adolescentes avaliados independentemente do local. Mas é claro que o ambiente urbano, o acesso às tecnologias, televisão, videogame, computador, tudo isso exacerba o atraso, porque só o estímulo luminoso sozinho já é capaz de aumentar a tendência a adiar o sono.
E por que conseguir um sono adequado é tão importante, especialmente durante essa fase da vida?
O sono é muito importante para vários aspectos da saúde, como manter a integridade do sistema imunológico, atuar no controle do metabolismo energético, preservar a cognição e o funcionamento cerebral. Por isso, ficar longos tempos privados de sono favorecem o ganho de peso, o desenvolvimento de doenças metabólicas, como diabetes tipo 2, além de problemas cardiovasculares e neurodegenerativos. Além disso, mexe muito com a regulação emocional. Quando não dormimos, ficamos com maior impulsividade, maior irritabilidade, menor resiliência para enfrentar as situações difíceis. E se pensarmos que a adolescência já é uma faixa etária muito exposta a transtornos psiquiátricos, essa preocupação com sono deve ser ainda maior, pois o cérebro ainda está em formação. E o que temos de mais recente é o papel do sono para a consolidação das nossas experiências depois do aprendizado. Ao dormir, o cérebro permanece ativo e essa atividade está a serviço dessa formação de memórias, o que impacta diretamente no desempenho escolar.
Você explica que o horário das aulas às 7h reduz o sono dos jovens, mas se as aulas começassem mais tarde, não seria o caso de apenas adiarem o sono também?
Existe toda essa discussão, mas diversos estudos já mostraram que não é bem assim. Mesmo que o adolescente atrase um pouquinho o horário de dormir, não supera o ganho do horário de acordar, o saldo é na maioria das vezes positivo. Mas claro que essa medida não pode ocorrer de forma isolada, precisa vir junto com medidas de educação sobre o sono, como para as pessoas evitarem estímulos à noite. Mas sem o atraso dos horários escolares não é possível atingir essa meta, que é possibilitar aos alunos que durmam o que precisam.
No ano passado, você fez parte de um estudo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que chegou a repercutir no exterior, em que avaliou uma turma de Ensino Médio com o horário alterado. Quais foram os principais resultados?
Já tínhamos uma série de evidências comparando por exemplo estudantes de horários matutinos e vespertinos, mas esse avaliou os alunos antes, durante e depois de uma alteração no horário. Foi o primeiro trabalho de intervenção do horário realizado no Brasil, temos poucos trabalhos do tipo porque é muito difícil devido à disponibilidade das escolas. Os resultados confirmaram um benefício na duração do sono e, consequentemente, dos impactos em medidas de sonolência diurna e de humor. Em uma escola de Palotina, no Paraná, definimos o atraso de uma hora no início das aulas durante uma semana, no meio do período letivo, começando às 8h30. Durante três semanas – antes, durante e depois da alteração –, acompanhamos os 48 estudantes com um acelerômetro, uma espécie de relógio de punho que monitorava os horários de dormir e acordar. Junto, avaliamos medidas como a sonolência em sala de aula, o humor dos estudantes, com fatores como estresse e sintomas de depressão. A mudança de horário levou a um aumento na duração de em média 38 minutos no sono e na redução da sonolência nas aulas e das queixas de humor.
Qual a dificuldade de levantar esse debate no Brasil? E qual seria, na sua visão, a melhor solução?
Muitos dos procedimentos das escolas são cristalizados, consolidados há décadas, por isso é muito difícil mudarmos. Tanto que uma série de coisas foram alteradas na pandemia e, quando voltaram as aulas presenciais, nada foi aproveitado, nenhum dos benefícios que poderiam ter sido incorporados no cotidiano escolar. Voltamos a funcionar exatamente como as escolas funcionavam antes da Covid-19.
E a pandemia mostrou também como os adolescentes dormem mais se puderem. Nós fizemos um estudo que mostrou isso, como com as aulas online e a flexibilidade com elas levou os estudantes a acordarem mais tarde e terem mais horas de sono. Essa flexibilidade, que é possibilitada com a pandemia, para mim é um dos caminhos. O que defendemos não é uma medida imediata obrigando as escolas a começarem às 8h30 como solução. Antes disso, precisamos de conscientização, convencer as pessoas, os gestores, os familiares e os próprios estudantes sobre a importância do sono e dos benefícios de eventuais mudanças. É um processo, porque isso tem um impacto na vida dos pais, dos professores, da dinâmica nas escolas. Mas quando as pessoas estão sensibilizadas sobre o tema, fica mais fácil discutirmos essas medidas e as melhores maneiras de ajustarmos todos os fatores envolvidos. Particularmente, acho que a flexibilidade de horários é o melhor. Possivelmente ter escolas em que turmas diferentes começam em horários diferentes, que utilizem a tecnologia como uma aliada nesse processo, são opções que podem ser discutidas.
Para compensar a falta de sono à noite, muitos alunos têm o hábito de cochilar à tarde. Essa prática é positiva? Consegue diminuir o impacto da privação?
Nós diríamos que sim, que é benéfico, que pode de alguma maneira começar a compensar a restrição do sono à noite, mas há duas preocupações. A primeira é que as evidências mostram que cochilos muito longos, com mais de 90 minutos, começam a repercutir no sono noturno, então você terá mais dificuldade para dormir à noite. Por isso, o recomendado é que dure no máximo 1h e meia.
A outra preocupação é o fenômeno chamado inércia do sono, que é a tendência de continuar dormindo mesmo após ter acordado. É quando você levanta, mas seu cérebro ainda não está pronto para a vigília. Em algumas pessoas, ele é curtíssimo, em outras ele é mais longo e podem ter uma dificuldade maior em produzir, em estudar após o cochilo. Para essas , pode não valer a pena a soneca por comprometer o resto do dia, mas deve ser uma avaliação individual. Diversos estudos têm mostrado um aumento nos distúrbios do sono entre jovens. Como você vê esse crescimento e o que pode ser feito para melhorá-lo? É difícil separar o quanto isso é um fenômeno crescente ou um impacto isolado emocional da pandemia. Mas é surpreendente, nós estamos desaprendendo a dormir, isso não poderia acontecer. Há uma desvalorização do sono. Às vezes pelo trabalho, mas às vezes para sair, ir a uma festa, ou seja, modificamos o sono devido à dinâmica social e isso gera uma repercussão na saúde das pessoas.
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