*Joaquim Falcão
O candidato Lula tem como principal proposta para os eleitores mais pobres a estratégia que o elegeu no passado. Foi o que lhe permitiu fazer um bom governo, com o Bolsa Família. A bandeira do combate à fome.
O candidato Bolsonaro tem como principal bandeira o cheque, o orçamento público. Auxílio emergencial, Auxílio Brasil, perdão de dívidas aos endividados e, por tabela, benefícios a universidades privadas, isenção fraterna de imposto a quem tem dirigíveis ou jet skis, financiamento de casas aos militares, orçamentos secretos e por aí vamos.
Será isto o que a maioria dos nossos pobres eleitores precisa? Sim, para a maioria, sem dúvida. Diante da precariedade em que vivemos.
Mas será isto o que desejam? Aliás, será o que mais desejam? Não. Afinal, são medidas de curto prazo.
Recente pesquisa da Folha de São Paulo perguntou qual o grande sonho do brasileiro. Cerca de 87% cravaram na hora: moradia própria. Direito de propriedade. Posse legítima. Espantem-se. Deseja-se mais do que ter filhos, estabilidade financeira ou praticar sua religião. Qualquer uma.
Vejam o paradoxo. O contrassenso.
Vivemos um liberal capitalismo radical, diria André Lara Resende. Um capitalismo que, apesar de se basear no direito de propriedade, o nega para a imensa maioria dos brasileiros. Capitalismo sem capital para a maioria dos que vão votar.
Dele não faz parte a segurança, o bem-estar, a igualdade de todos. Nele o rico detém propriedade, renda e créditos. Os pobres têm invasão, voto e dívida. É para ser assim mesmo? Não sei.
No capitalismo financeirizado, o eleitor é apenas seu saldo líquido. Positivo ou negativo. Vai caber às novas gerações do século XXI resolver este paradoxo.
Na década de 90, acredito, o Rio Grande do Sul criou lei que obrigava os bancos, do próprio estado, a dar prioridade de empréstimo às mulheres mães solteiras de baixa renda comprarem casa.
Rosiska Darcy, então presidente do Conselho da Mulheres do governo Fernando Henrique, pediu-me um parecer, pois estavam contestando no Judiciário esta prioridade como inconstitucional.
Dei. Afirmando ser constitucional. Não somente pelo critério da igualdade entre desiguais, mas também porque, equitativamente, as mães solteiras com filhos de baixa renda são as donas de casa do Brasil. Maioria dos que não têm renda, sobretudo. Ganhamos.
Os tempos passaram. As tentativas governamentais nacionais na área da moradia, como o Banco Nacional de Habitação e o Minha Casa, Minha Vida, tentaram resolver o problema da casa própria. Aqui mesmo, no Recife, nos governos Miguel Arraes e Marco Maciel, também.
Mas a realidade é matemática. Sem emprego, sem renda, numa eterna informalidade, como alerta o sinal vermelho de Clóvis Cavalcanti, não adiantam sistemas de apenas financiamento. A instabilidade macroeconômica do país, concentradora de renda, faz com que estes projetos sofram de crônica descontinuidade. Ativistas da urbanidade saudável, como Luiz Otavio Cavalcanti e João Braga, sabem muito bem das dificuldades que se enfrenta para um projeto de habitação popular permanente em Pernambuco.
Recentemente, houve no Rio uma experiência bem-sucedida na favela do Cantagalo, uma das principais de Ipanema. Conseguiu-se uma área do governo por lá ocupada pela favela. Trabalho intenso. Mudou-se a legislação. O governo doou a terra a quem as tinha como posse legítima. Fez o mapeamento geográfico dos lotes. Passaram-se as escrituras.
A partir daí, começou outro problema. Quem vai gerir esta área tão especifica? Feita de coproprietários, vizinhos, amigos, inimigos, parentes onde todos os papeis sociais se misturam?
Lotes legalizados serão vendidos e herdados. Novas escrituras vão ter que ser feitas etc. Heranças disputadas. Vamos voltar tudo à ilegalidade? Ir resolver tudo no Judiciário? Nem pensar. Luciano Oliveira já provou que não é suficiente.
Tenta-se agora a figura da usucapião coletiva. As casas legitimadas integrariam uma espécie de condomínio. E quem vai gerir os condomínios?
Aí que queremos chegar – e saudar – a abertura do blog Dellas. A proposta do advogado Guto Junqueira é que os condomínios coletivos devem ser geridos por estatuto próprio. Onde quem manda é um conselho das mulheres. Óbvio.
Elas são as donas das casas mais permanentes. Ficam com os filhos. Fixam-se ali em sua maioria. E são muito mais capazes do que os muita vez fugazes companheiros e maridos.
Defende-se maior presença das mulheres na alta política, na alta magistratura, como executivas de grandes empresas. Defendo aqui um menos que acredito ser mais: a maior presença das mulheres na gestão das comunidades. Teríamos, no mínimo, menos milícias machistas. E melhores eleitores.
*Joaquim Falcão é professor de Direito Constitucional, jurista, membro da Academia Brasileira de Letras-ABL e colaborar do Blog Dellas.
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