Envelhecer e Viver

 


Margareth Dalcolmo

 

 

Crianças e idosos sofreram consequências na morbi mortalidade, quer pela Covid-19, quer pelo atraso nos diagnósticos


Sabemos que junto com o retrocesso causado em diversos indicadores sociais e de saúde pela pandemia da Covid-19 no Brasil, são fatos a redução das taxas de natalidade que se vem verificando nas últimas décadas, inclusive entre as camadas mais desfavorecidas, e o envelhecimento da população. Nosso modelo de pirâmide populacional já mudou seu formato, na comparação de 1980 a 2000, e mais marcadamente em 2020. A estimativa é de que tenhamos em 2040 cerca de 27 milhões de pessoas com 70 anos ou mais, o que nos faz pensar necessariamente em como a estrutura de saúde deve se preparar para, com eficiência, estabelecer uma linha de cuidados direcionada a essas faixas etárias.

Entende-se como linha de cuidado direcionadas a grupos mais idosos padronizações técnicas que explicitem informações relativas à oferta de ações de saúde, utilizando tecnologias de acesso simples e canais diretos de comunicação. Para tal é necessário descrever rotinas do paciente, contemplando informações relativas às ações e atividades de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, a serem desenvolvidas por equipe multidisciplinar em cada serviço de saúde, com input originado das famílias ou núcleos representativos dessas faixas etárias. Além disso é preciso viabilizar a comunicação entre as equipes, serviços e usuários de uma rede de atenção à saúde, com foco na humanização e na padronização de ações, organizando a assistência voltada a esses grupos de mais idade, com suas necessidades próprias.

Esses quase três anos de pandemia, desafiaram como nunca a nossa resiliência, como pessoas e na prestação de serviços, no que se refere à agilidade e à efetividade. Problemas e fragilidades crônicos, se alternaram com os novos, num ritmo fora de controle por vezes, pondo à prova nossas políticas de saúde e o que norteia o SUS, em seus princípios de equidade, universalidade e integralidade. O cenário pandêmico desafiou ainda coordenações, política de recursos humanos e de materiais, bem como a infraestrutura instalada. Certamente os dois extremos da vida, as crianças menores de cinco anos, e os mais idosos sofreram consequências na morbi mortalidade, quer pela Covid-19, quer pelo atraso nos diagnósticos de doenças como as cardiovasculares, câncer e as degenerativas.

Como podemos vislumbrar, nesse contexto, o que deveria ser, por exemplo, um médico num futuro previsível, de uma realidade como a nossa? Sem dúvida este teria que responder por uma exigência de qualificação técnica consistente, de par com capacidade de liderança, conhecimento de políticas públicas de saúde para manter uma análise crítica sobre o seu desempenho e do sistema, domínio de técnicas de comunicação para absorver e passar informações compreensíveis, controlar sua inteligência emocional para lidar com os desafios do cotidiano, e ainda adquirir competência de gestão. Acredito que o compromisso permanente com o aprendizado e saber trabalhar em equipe, sobretudo quando envolvido em atividades de pesquisa clínica, conhecer tecnologia da informação, aprender a dominar processos e qualidade, sejam igualmente requisitos para um desempenho profissional adequado.

Da mesma forma, a estrutura de prestação de serviços, através de unidades de saúde necessitaria de revisão do hospital como sua centralidade. Estes teriam uma nova concepção a nascer da própria arquitetura, perdendo lugar as mastodônticas estruturas, que consomem muito em manutenção sem corresponder em resultados. Então como seria um hospital do futuro, capaz de acolher nosso perfil de população? Seria menor e dotado de maior complexidade, e consequentemente maior resolubilidade, com medicina personalizada, técnicas de genômica, utilização de tele medicina, modelos de desfechos clínicos como componente para pagamento, capazes de criar redes de pesquisa, e trabalhar conectado com a casa dos pacientes, para controle de parâmetros pessoais, usar de inteligência artificial, e sobretudo voltado para a gestão de cuidados de pacientes crônicos, esses milhões de brasileiros já contemporâneos .

*Pneumologista. Presidente Eleita da SBPT (2022-2023), Prêmio “Faz Diferença”/ O Globo. Inintegrante da FioCruz e colunista do Jornal do Globo.


Redação compartilhando dos Blogs / A Hora da Ciência – Jornal o Globo. Foto: Divulgação


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