Crianças do Brasil entre as piores na habilidade de leitura –Por Priscila Bacalhau*

 

Além do mau resultado geral, desigualdade entre classes sociais é muito grande –

Decodificar letras faz parte do processo de aprender a ler. Lembro-me de quando comecei a reconhecer esses símbolos e a união deles passou a fazer sentido. Um momento de clímax foi quando consegui ler uma placa simples no caminho para a escola. Essas memórias e sensações surgem novamente sempre que aprendo algo novo.

Aprender a ler não para na decodificação de letras e palavras. É preciso desenvolver a habilidade de entender textos variados e mais complexos. Infelizmente, esse processo, desde o conhecimento das letras à compreensão dos textos, não vem ocorrendo conforme o esperado para a maioria das crianças no país.

Nesta semana, foram divulgados os resultados da avaliação internacional PIRLS de 2021 (“Progress in International Reading Literacy Study”), que mede habilidades de leitura no que equivale ao quarto ano do ensino fundamental. Na idade em que são avaliados, espera-se que os alunos consigam entender textos de variadas formas. Não basta ler as palavras, é preciso construir sentido a partir da sua junção em um texto.

É a primeira vez que o Brasil participa dessa avaliação e, não surpreendentemente, teve um dos piores desempenhos: o quinto pior entre os 65 países e regiões avaliados.

Em média, os alunos brasileiros conseguem apenas compreender textos fáceis, falhando em questões mais complexas. Quase 40% estão no nível considerado abaixo do básico, o que significa que não dominam as habilidades elementares de leitura, como localizar e reproduzir informações explícitas em um texto ou fazer inferências simples. Dos outros 60% dos estudantes, que apresentaram pelo menos o domínio básico de leitura, apenas uma pequena parcela possui um nível adequado de aprendizado e pode ser considerada proficiente em compreensão leitora —13% do total. Em comparação, 71% dos alunos de Singapura atingiram um nível adequado de aprendizado.

Olhando além das médias, essa avaliação confirma desigualdades educacionais que persistem no país. Estudantes com alto nível socioeconômico têm desempenho 40% superior àqueles com baixo nível socioeconômico. Essa diferença é de 19% na média dos demais países avaliados.

Apesar de a avaliação ter ocorrido em meio à pandemia, isso não pode ser usado como justificativa para os pífios resultados brasileiros em comparação ao resto do mundo. Afinal, a pandemia afetou a todos.Já passou da hora de termos um pacto nacional pela alfabetização na idade certa que se sustente independentemente de crises sanitárias e econômicas.

Se desejamos uma sociedade com adultos capazes de interpretar textos, não podemos privar as crianças do direito a boas memórias da sua alfabetização.

*Priscilla Bacalhau é Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas. Texto compartilhado pelo Blogdellas da Folha de São Paulo em 18.05.2023. Foto-Divulgação.

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