Coluna “Mulheres Negras “: A contribuição do movimento social negro na formação da militante Valéria Costa

 

Diante da luta por direitos à dignidade humana, as mulheres negras vêm se mobilizando e em meio a este movimento, apresento Valéria Costa, recifense que começou a militância no movimento social negro ainda na adolescência, no Núcleo Malcom X, GT de Cultura do Movimento Negro Unificado-MNU-PE, que ficava em Paulista. Aos 18 anos passou a participar das reuniões do MNU-PE, mas ficou pouco tempo. Vejamos um pouco da sua luta, o que pensa.

Valéria explica a breve pausa na militância para se dedicar a graduação: “Porém o ativismo antirracista continua”.

“Quando ingressei no curso de História da UFPE decidi deixar a militância de lado para me dedicar a graduação, porém ainda cheguei a fazer atividades no MNU com o movimento estudantil da Universidade. A decisão pela preferência à vida acadêmica, tornou-me uma ativista solitária, pois era uma ação que eu fazia através de minhas pesquisas e no meu posicionamento nos espaços acadêmicos enquanto mulher negra, uma vez que a universidade é um lugar elitista, machista, patriarcal e nós mulheres negras precisamos como diz bel hooks, transgredir, ocupando esse espaço para torná-lo mais democrático. A universidade só será o lugar da diversidade e da democracia, quando nós mulheres e homens negros (indígenas, LGGTQIA+) estivermos mais presentes nesse ambiente, pois, a militância coletiva contribui para o fortalecimento do enfrentamento do racismo, do machismo, do isolamento e de todas as violências simbólicas que nós mulheres e homens negros passamos nos espaços acadêmicos e na sociedade de modo geral. Uma mulher negra quando assume a luta antirracista e antimachista, ela coloca-se em um lugar de reivindicação por uma sociedade que garante bem-estar a todos, todas e todes sem exceção.Quando conclui a graduação, fiz seleção para o mestrado, no qual levei como tema, o terreiro de candomblé do qual sou filha-de-santo, o Terreiro Santa Bárbara – Nação Xambá. Era uma outra forma de exercer meu ativismo antirracista e desta vez na luta contra o racismo étnico-religioso, trazendo como sujeito de pesquisa as religiões de matrizes africanas, destacando a importância das quatro mulheres que formaram os pilares da Nação Xambá no Recife, Mãe Biu, Madrinha Tila, Tias Laura e Luiza, mulheres negras que ao chegarem nos anos 1950, ao bairro do Portão do Gelo deram início a ocupação e organização do espaço urbano, por meio de ações religiosa, política e cultural, que se refletiram no que é hoje o Quilombo urbano Xambá”

A Capoeira, uma referência na sua vida e uma prática que a empoderou

“A capoeira entrou na minha vida quando eu era ainda adolescente, aos 16 anos, mas quando ingressei no mestrado, parei. Na época, eu dizia que daria um tempo devido as atividades acadêmicas, mas o que realmente me levou a dar um tempo da prática da capoeira foi o ambiente. O grupo era composto por uma grande maioria de pessoas brancas e de classe média e eu me sentia uma carta fora do baralho. O racismo e o elitismo do grupo incomodavam-me bastante e fragiliza-me. Em Salvador, no período do doutorado UFBA, voltei a praticar capoeira com o Mestre Morais, mestrando na mesma instituição, foi um momento que me empoderou muito, enquanto estive distante das minhas bases antirracistas do Recife”

A retomada da militância, a reconciliação e o reencontro na Rede de Mulheres de Pernambuco

“Hoje, faço parte da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, um coletivo que reuni mulheres de diversas idades, de diferentes grupos sociais e profissionais e diversas cidades da Região Metropolitana do Recife, Zona da Mata, Agreste e Sertão. O que nos une, em meio a essa heterogeneidade, são os princípios da ancestralidade, identidade, a luta contra o racismo, o machismo e pelo bem viver de nós mulheres negras. As fundadoras da REDE foram mulheres que eu já tinha uma relação da época do MNU-PE e outras eu já havia também trabalhado no Núcleo da Cultura Afro-Brasileira da Secretaria de Cultura do Recife da Prefeitura do Recife, como Piedade Marques e Rosa Marques; Mônica Oliveira, eu já tinha estado com ela no MNU. Por isso, voltar a atuar nessa militância coletiva foi um reencontro com companheiras que para mim são referências de luta antirracista e contra o patriarcado, e um reencontro e reconciliação comigo mesma”.

A carreira acadêmica na caminhada do Sertão ao litoral e a realização do sonho

“Foi pensando nessa configuração da universidade, com poucas pessoas negras, que busquei a carreira acadêmica e me tornar professora de uma instituição como esta. Ao concluir o doutorado em 2013, participei do concurso para professora de História e fui aprovada em primeiro lugar no concurso público para o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – IF Sertão PE, onde organizei um trabalho solitário de educação antirracista, todavia, precisei contar com minhas redes do movimento social. Recentemente submeti-me a outro concurso para o Magistério Superior da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE- Campus Recife, onde assumirei a cadeira de História da África. Finalmente, consegui chegar ao meu objetivo profissional: ser professora na universidade, não que eu achasse ruim ser professora de IF, mas a universidade pública precisa ser urgentemente empretecida, ou seja, precisa que o quadro docente tenha experiências negras. Porque enquanto intelectual negra e professora universitária, eu posso agregar valores para outras comunidades negras, sobretudo periféricas, populares, de onde eu vim.

O desejo de levar a memória histórica de negras e negros para além dos muros dos espaços acadêmicos.

“Você me pergunta sobre minha trajetória enquanto escritora, na verdade eu não me considero escritora, como temos Conceição Evaristo, Inaldete Pinheiro, Cidinha Silva, Djamila Ribeiro e outras intelectuais negras cuja produção bibliográfica merecem destaque e estão sempre escrevendo sobre nossas experiências cotidianas, nossa ancestralidade, feminismos, luta antirracista e antimachista, sonhos, expectativas e perspectivas. Meus livros são resultados de minhas pesquisas acadêmicas que os meus pares recomendam à publicação, entre eles: É do dendê! História e memórias urbanas da Nação Xambá no Recife (1950-1992), publicado em 2009 pela editora Annablume; e recentemente publiquei Òminirá: mulheres e homens libertos da Costa d’África no Recife (1846-1890), publicado pela Alameda”.

 

*Maria de Fátima Oliveira Batista é professora das redes públicas de ensino de Pernambuco e do Recife. Colabora com o Blogdellas com a coluna ” Mulheres Negras “- Fotos: Divulgação.

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