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Ciência por mulheres, para mulheres

A ciência nem sempre foi amiga das mulheres e das minorias em geral. Em saúde, pesquisas conduzidas por mulheres, ou que tenham como alvo doenças específicas do corpo feminino, são historicamente subfinanciadas e subvalorizadas. Marlena Fejzo é uma pesquisadora da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) que sentiu todo o peso desse sistema ao usar a ciência para quebrar preconceitos machistas. Ela contribuiu para avançar o conhecimento em uma área negligenciada pela medicina.




A decisão de pesquisar uma doença socialmente estigmatizada como “frescura de mulher” – a hiperemese gravídica – veio de experiência pessoal. A condição acomete um pequeno porcentual de gestantes, que sofre de enjoos e náuseas muito mais intensos e frequentes do que seria aceitável em uma gravidez normal. Nenhum alimento, nem mesmo líquidos, para no estômago. A gestante entra em estado grave de desnutrição. A vida da mulher e do bebê correm grave risco. Marlena passou por isso quando esperava o primeiro filho, mas conseguiu levar a gestação a termo. Na segunda gravidez, a hiperêmese foi ainda mais intensa. A pesquisadora emagreceu quase dez quilos e perdeu o bebê.
O trauma a colocou em contato com o preconceito e falta de preparo dos médicos para lidar com o problema. Ela contou ao jornal New York Times que ouviu do seu obstetra que “as mulheres se fazem de doentes para conseguir a simpatia do marido”, e em outro momento que “a doença era uma tentativa dela de chamar atenção de seus pais, que estavam ajudando a pagar pelo plano de saúde”.

Médicos despreparados, que confundem preconceito com evidência e muitas vezes amparados por conceitos ultrapassados e machistas da psicanálise, alegavam que a hiperêmese seria causada por um “desejo inconsciente” de “aborto oral”, como se a gestante não desejasse o bebê e quisesse vomitá-lo. Frigidez sexual e preguiça de arrumar a casa eram outros “diagnósticos” freudianos invocados com toda a seriedade.
Hiperêmese gravídica não é frescura nem “histeria feminina”. Marlena Fezjo conseguiu caracterizar a doença, e identificar um fator genético envolvido. O gene GDF15 codifica a proteína chamada de “fator de diferenciação de crescimento 15”, que provoca supressão do apetite, náusea e vômitos. Esta proteína tem seus níveis aumentados durante a gestação, e em algumas mulheres, de forma exagerada, causando sintomas severos.



Fezjo não conseguiu financiamento – seu pedido de verba ao governo americano foi negado. A pesquisa acabou sendo feita com recursos e parcerias “por fora”, nas horas vagas. Um auxílio inusitado veio da empresa 23andMe, que vende testes de ancestralidade, e permitiu encontrar mulheres que sofriam de hiperêmese e ter acesso ao sequenciamento de genoma delas. O trabalho acabou publicado em revistas científicas de prestígio internacional, incluindo Nature.

A cientista agora busca desenvolver medicamentos eficazes para a hiperêmese. Hoje, não há tratamento adequado, e muitas vezes a única solução é hospitalizar a gestante e fazer a alimentação com sondas. Em um passado não muito distante, dentro da cultura de culpabilizar a mulher, muitas vezes a gestante era hospitalizada em um quarto escuro, sem direito a visitas, para “aprender” a não ser tão histérica. Algumas, com o mesmo “fim didático”, eram privadas de auxílio e de equipamentos para os episódios de náusea, obrigadas a deitar no próprio vômito. Em 2022, A Sociedade Francesa de Ginecologia e Obstetrícia publicou comunicado condenando estas práticas, ainda vigentes no país.
A pesquisa de Marlena não mudou só a ciência. Quebrou estigmas e estereótipos que persistem, por mais que o feminismo avance. E isso só foi possível porque ela é mulher.

Ter mulheres na ciência garante ciência para mulheres.

Redação com veículos/ O Globo( Saúde e Bem Estar)/ Foto -Divulgação

E-mail redacao@blogdellas.com.br

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