Barbie pode ser o que quiser, desde que não escolha ser mãe –Por Cristiane Gercina*
– Se houvesse uma boneca para me representar, ela seria a Barbie cansada –
O filme que conta a história da Barbie reascendeu debates no dia a dia e nas redes sociais sobre feminismo, liberdade feminina, Barbie versus Susi e o papel da mulher na sociedade, estereotipado por um corpo de plástico irreal.
A Barbie nasceu revolucionária. Foi criada por uma mãe, a empresária Ruth Handler, uma das fundadoras da Mattel, para dar de presente à sua filha de nome Bárbara —e apelido Barbie— que estava entediada com as bonecas-bebês a colocando em um papel cansativo e secundário para a mulher: ser unicamente mãe e cuidadora do lar, sem profissão.
A falha da boneca foi ter nascido irreal, com corpo esguio e medidas que não representavam nem mesmo as norte-americanas da época. A Barbie se tornou um símbolo de corpo — e comportamento – “ perfeito”, reduzindo as mulheres a um novo estereótipo. E, nesta nova forma de ser, a Barbie pode ser o que quiser, desde que não escolhesse ser mãe.
O filme de Greta Gerwig faz piada com a Barbie grávida, que foi descontinuada pela Mattel, empresa responsável pela boneca, numa clara crítica sobre o invisibilidade da maternidade.
A Barbie não me representa, como não representa um sem número de mulheres no mundo, e não simplesmente porque eu sou mãe, mas porque o estilo dela não tem nada a ver comigo. Alta, loira, magra, e de cabelos lisos. Sou o contrário. Totalmente.
Mas a boneca esteve no meu imaginário de criança paupérrima, que foi catadora de recicláveis. Cheguei a ter uma Barbie, comprada pelo pai a prestações após eu ter ficado gravemente doente, que guardo com muito carinho. Na minha juventude, Barbie também foi me apelido, por gostar de combinar bolsas, sapatos e cintos.
Ocorre que eu não travo luta com bonecas. Minha Barbie, mesmo nunca tendo ficado grávida, teve três filhos. Trabalhava e não era casada, afinal, o Ken era caro, um simples boneco de plástico e ainda por cima sem cabelo.
Mas, entre decidir ser mãe, ter seu bebê, criar e ver seu filho se tornar um adulto —incluindo as dores que isso traz— há um longo caminho solitário, que tenta ser cada vez mais escondido em um mundo em que a produtividade individual é o bem mais valorizado.
No filme, as piadas sobre como é estranho ver uma Barbie grávida rolam soltas. Mas, coincidentemente, é na maternidade que o filme se engrandece. Na dor de uma mãe, na coragem de uma mãe e nas fragilidades maternas.
Em um mundo onde querem nos dizer cada vez mais o que fazer —mesmo tentando nos convencer de que não estão nos convencendo de nada, de que a escolha é nossa—, eu “escolhi” ver o filme da Barbie numa segunda-feira qualquer de julho, sozinha, sem as filhas, desconectada do meu dia a dia, mas totalmente conectada com os papéis que eu mesma determinei para mim.
Saí de lá feliz com o filme, já sabendo que, no outro dia, um milhão de coisas me esperam, porque a mãe, quando para um pouquinho, trabalha o triplo depois, reforçando que sou mais uma Barbie que a Mattel não criou: a Barbie cansada.
*Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. É jornalista e atua na editoria de Economia da Folha de São Paulo. Texto compartilhado.
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