Baderna – Por José Carlos L. Poroca*

 

Quem já leu meus textos sabe como sou fissurado pela origem das palavras, por expressões e pelos termos que vêm de fora e se incorporam ao nosso linguajar, muitas vezes de forma equivocada.

Houve um tempo em que havia uma febre de – como chamar? – compositores de músicas que já tinham letras no original. Geralmente eram ligados a uma gravadora que os alimentava de informações sobre sucessos de música tal no exterior. O “compositor” conservava a música e colocava uma letra que, em alguns casos, nada tinha com a matriz. E fazia sucesso.


Uma das transformações mais famosas foi a da “Splish Splash”, gravada por Bobby Darin, nos EUA, cuja letra tem pouco a ver com a brasileira. O mesmo aconteceu com “O Calhambeque”, musicazinha gravada por Roberto Carlos. No original, se chamava Road Hog (Rei da Estrada), com história bem diferente da que foi gravada no Brasil. Há outra, nascida em 1949 pelo astro de música folk americana Peter Seeger, que foi regravada em 1963, com o mesmo título (If I Had a Hammer), pelo americano Trini Lopes.

No ano seguinte, a italiana Rita Pavone surgiu com uma versão, digamos, mais agressiva, queria “dar na cabeça de todo mundo” e “daquela arrogante com os olhos pintados” – com um martelo, claro. Não é apenas no terreno da música. Há palavras e expressões que são aportuguesadas e se incorporam ao nosso vocabulário, corretamente ou não. O meu primeiro sogro, libanês, quando recebeu a naturalidade brasileira, trocaram o seu nome original (Georges) por Jorge. Quem fez, errou. Nomes próprios não se traduzem. Podemos até dizer que John é João ou que Marie é Maria, mas, na caderneta, devem permanecer com os seus nomes de batismo.


Há o caso da palavra baderna que não veio pra cá por conta de uma versão ou troca de nomes. Existiu e fez história. Era o sobrenome de Marietta, bailarina italiana, filha de Seu Antônio, médico e músico. Vieram parar no Brasil, em 1849, por conta de perseguições políticas na Itália. No Brasil, Marietta se soltou e, além do balé, dançava ritmos como o lundu, a umbigada e a cachucha, na rua, junto com escravos (um escândalo!). Diziam que, além de gostar de “bagunçar o coreto”, também apreciava o álcool e o sexo. Um belo dia, a moça cansou daquela vida, casou, teve filhos, sumiu do mapa, morreu.


Vou chamar este texto de protesto. Protesto por utilizarem o sobrenome da moça para vinculá-lo à bagunça, à confusão, à desordem, quando poderia estar associado à resistência e à liberdade. Outro ponto importante: baderna é uma coisa, vandalismo e banditismo são outras, bem diferentes. É o mesmo que confundir Carolina de Sá Leitão com caçarolinha de assar leitão. Tenho dito.


*José Carlos Poroca é executivo do segmento de shopping center, escritor. Texto colaboração para o blogdellas.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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