Aprovação e avaliação de governos – Por Mauricio Romão*

Tornou-se praxe no Brasil os institutos de pesquisas fazerem distinção entre “avaliação de governo” e “aprovação de governo”.
Na avaliação de governo, cuja pergunta básica é “como você avalia o desempenho do governo?”, busca-se captar a percepção dos cidadãos sobre a atuação do governo como um todo, em suas diversas áreas. Os cidadãos expressam seu grau de satisfação ou insatisfação com a gestão declinando um dos cinco componentes da categoria avaliação: ótimo, bom, regular, ruim e péssimo.
Já na aprovação de governo, em que a pergunta-padrão é “você aprova ou desaprova a maneira como o ‘dirigente, incumbente’ está governando o país?”, foca-se mais na pessoa do governante, nas suas ações, na sua liderança, no seu jeito de governar o país.
Essa separação feita no Brasil entre avaliação de governo e aprovação de governo não faz o menor sentido. Polui o ambiente conceitual, dificulta a análise dos resultados e embaraça a compreensão dos cidadãos.
No mundo todo usa-se o binário aprova / desaprova para aferir desempenho de governos e governantes, indistintamente. Não há empenho lá fora em separar esses conceitos até porque se entende que a performance pessoal e administrativa do governante está intrinsecamente misturada com o desempenho global do governo no exercer o mister de fazer entregas. Avaliação de governo e aprovação da maneira do incumbente governar são entendidas como representando um único contexto, que envolve administração, gestão e ações de entrega de políticas públicas.
A desnecessidade do uso desses conceitos fica claro na exibição dos gráficos abaixo. Veja-se, inicialmente, o gráfico que retrata a aprovação e a avaliação positiva (ótimo + bom) do presidente Lula neste seu terceiro governo.
Gráfico 1- Aprovação e Avaliação Positiva do Governo Lula

Nota-se que a conformação gráfica dos dois conceitos é praticamente idêntica, significando que os eleitores que avaliam a gestão como positiva também aprovam a maneira do presidente governar ou o governo do presidente. Ou vice-versa: se os eleitores demonstram apreço pela forma como o presidente lidera o país, certamente avalia seu governo como positivo.
A diferença entre os pontos mensais correspondentes de cada conceito é numérica, com os valores da aprovação (conceito binário) sempre acima dos valores da avaliação (conceito granular, escalonado) devido à presença do componente “regular” da categoria avaliação. Não houvesse o regular e as duas curvas do gráfico ficariam superpostas, quase indistinguíveis.
Um gráfico semelhante dos dois conceitos, desta feita mostrando a desaprovação e a avaliação negativa do governo Lula, com números obtidos da mesma fonte, nos mesmos meses, e em igual lapso de tempo, pode ser examinado abaixo:
Gráfico 2- Desaprovação e Avaliação Negativa do Governo Lu

Segue-se o raciocínio anterior: as curvas têm praticamente a mesma configuração porque os eleitores que avaliam a administração do presidente como ruim e péssima também externalizam seu descontentamento desaprovando a maneira do presidente governar. De novo, a diferença numérica entre os pontos perfilados verticalmente em cada mês nos dois conceitos se deve ao componente regular da categoria avaliação. Sem esse componente, as duas curvas se conformariam em uma só.
Observe-se que nos dois gráficos as curvas estão separadas por diferentes “distâncias”. Neste segundo gráfico, as curvas estão mais juntinhas, exibindo uma diferença numérica média de 8,5 pontos percentuais entre elas. Por seu turno, no primeiro gráfico, as curvas estão mais afastadas, com diferencial numérico de 13,8 pontos percentuais, em média. A que se deve esse fenômeno?
Quando os respondentes das pesquisas se manifestam pelo componente regular, eles estão expressando o sentimento de que o governo tem coisas boas e/ou ótimas, mas também tem coisas ruins e/ou péssimas. Quer dizer, tem coisas positivas e negativas. Eles se eximem de optar pelos componentes estritamente positivos (ótimo e bom) ou pelos componentes regiamente negativos (ruim e péssimo). Preferem dizer que o governo é “assim, assim”, “mais ou menos”, cravando o regular.
Acontece que as pesquisas que usam os dois conceitos (avaliação e aprovação), como essa deste texto, do Instituto Paraná Pesquisas, têm como saber, ex post facto, como os entrevistados que responderam regular se posicionaram quando inquiridos se aprovavam ou desaprovam o governo. Quer dizer, no conjunto dos que disseram regular, quantos por cento aprovam o governo e quantos por cento desaprovam.
Se os eleitores que acharam a administração do presidente Lula regular respondessem que aprovavam e desaprovavam a maneira do presidente governar na mesma proporção (por exemplo, 28% dos que afirmaram ser o governo regular, 14% responderam aprova e 14% desaprovam), a distância entre as duas curvas dos gráficos seria a mesma, tanto no primeiro quanto no segundo. Como não é o caso, os gráficos expostos atestam que a proporção do eleitorado que desaprova o governo, entre aqueles que avaliam o governo regular, é maior que a proporção dos que aprova.
À guisa de reforço à evidência empírica apresentada, pode-se fazer uso de outra série de dados levantada em período pretérito e oriunda de instituto diferente. Os dois gráficos a seguir, cuja fonte originária é o antigo Ibope, contam a mesma história descrita acima. Aliás, qualquer outra série de uma mesma base, de qualquer época e lugar, envolvendo os dois conceitos sob invectiva, apresentará contexto semelhante.
Gráfico 3- Aprovação e Avaliação Positiva do Governo Dilma Rousseff

Gráfico 4- Desaprovação e Avaliação Negativa do Governo Dilma Rousseff

Resta evidente que as conformações das curvas em cada gráfico são extremamente parecidas, a exemplo dos gráficos anteriores gerados por outra fonte e em período distinto. As distâncias menores e aproximadamente iguais entre as curvas significa que o eleitor do regular aprova o governo quase na mesma proporção em que o desaprova.
Enfim, não há absolutamente nenhuma justificativa para o uso nas pesquisas realizadas no Brasil da categoria avaliação de governos, mensurada pelos seus cinco componentes. Uma complicação desnecessária. Qual a relevância prática de se saber, por exemplo, quantos eleitores acham o governo mais péssimo do que ruim, entre aqueles que avaliam o governo como negativo? As políticas públicas serão redesenhadas em função dessas proporções?
A campanha de reeleição do incumbente mudará de estratégia porque tem mais gente rotulando o governo de péssimo do que de ruim?
Os pesquisadores deveriam aplicar o princípio da Navalha de Ockham, poupar tempo e explicações, abandonar o conceito de avaliação de governo, na forma como é usado, e ater-se à categoria de acepção global da entidade governo, simples, binária, de aprova e desaprova, universalmente empregada nas democracias modernas.
*Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Texto de 30 de abril de 2025, compartilhado do Portal ABRAPEL.
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