Adolescência, esse terror moderno – Por Cora Rónai*

Sim, eu também vi “Adolescência”. A série da Netflix é um daqueles fenômenos culturais inescapáveis, sobretudo para quem tem adolescentes em casa — é o assunto dos grupos de família, das reuniões de pais, dos almoços de domingo. É um massacre emocional, e está fazendo esse sucesso todo não exatamente por causa disso, em que pese o masoquismo universal das plateias, mas porque toca em pontos muito sensíveis com os quais não estamos sabendo lidar.
Jamie tem 13 anos e, um dia, a polícia põe abaixo a porta da sua casa para prendê-lo por assassinato. Os pais, que nunca fizeram nada de errado, acham que estão diante de um terrível engano; mas logo descobrem que não, não há engano algum. O filho matou uma menina da mesma idade a facadas. Câmeras de segurança captaram toda a ação. Não há margem para dúvida.
Ao longo de quatro episódios dilacerantes, tudo será — mais ou menos — explicado.
Esses episódios funcionam como os movimentos de uma sinfonia. No primeiro, a revelação e os primeiros passos de Jamie e de seus pais pela burocracia da desgraça: as horas de espera, a papelada, os exames físicos, o advogado, a sensação opressora de que dali não haverá saída. O segundo busca o motivo do crime na escola onde estudavam vítima e assassino. O terceiro, uma sessão devastadora entre Jamie e a psicóloga encarregada do caso, chega à beira do abismo; o quarto nos convence, enfim, de que é melhor ter um filho assassinado do que um filho assassino.
Todos são primorosos (o terceiro é uma obra-prima de dramaturgia), mas talvez o mais revelador seja o segundo. Não há nada de mais em cena, apenas uma escola de ensino médio na Inglaterra, seus alunos e professores. O terror não está no que vemos, mas no que aprendemos daquele mundo onde não há mais qualquer expressão de amor ou respeito.
É nesse episódio que a história de Jamie deixa de ser individual, e se revela coletiva, e é aí que se explica o poder da série. A desconexão entre as gerações é total. Os professores não conseguem atrair a atenção dos alunos, que por sua vez pouco se lixam para o que eles têm, ou teriam, a dizer — mas dizer o quê, e para quem? Todos, professores e alunos, estão a um passo de explodir, e eventualmente explodem mesmo, a despeito das paredes decoradas com cartazes fofos de boas-vindas.
Mas vale o destaque para o terceiro episódio, que mergulha na alma de Jamie. O que ele mostra é desolador. Do lado de fora, o menino franzino, aparentemente inofensivo, igual a milhões de outros meninos; por dentro, o espírito massacrado pela cultura incel, praga tóxica que o convenceu de que, já aos 13 anos, é um derrotado na vida.
Os pais, professores e policiais da série não fazem ideia do ambiente nefasto que os adolescentes encontram on-line, um caldo de ostentação e ódio, humilhação e ressentimento.
Mas isso não acontece só na Netflix.
É difícil assistir a “Adolescência” e não sentir que perdemos alguma coisa fundamental. A série não aponta saídas, nem propõe reconciliações edificantes. Ela apenas mostra o que acontece quando adultos e crianças vivem em universos que não se comunicam mais.
*Cora Rónai é jornalista, escritora e colunista do Jornal O Globo.