Abram as portas às mulheres, pede árbitra escalada para apitar na Copa
– Juízas Salima Mukansanga e Kathryn Nesbitt quebram barreiras ao chegar ao Mundial do Qatar –
Kathryn Nesbitt passou 20 minutos a pular sozinha, dentro do seu quarto. Salima Mukansanga disse que não conseguia acreditar. Aquilo só podia ser mentira.Não era. Elas são 2 das 6 árbitras ou assistentes escaladas pela primeira vez para trabalhar na Copa do Mundo masculina. Aos 34, ambas estão acostumadas a quebrar barreiras na arbitragem.
Mukansanga, de Ruanda, foi a primeira a apitar partida da Copa Africana de Nações. Nesbitt, dos EUA, foi assistente da final da MLS Cup —uma mulher jamais havia desempenhado essa função.
“Isso é o que as pessoas precisam entender. Abram as portas para as mulheres Dar-lhes oportunidades é uma maneira de fazer com que se sintam prontas e vão fazer tudo o que podem para ter sucesso”, afirma a africana.
Além delas, foram chamadas as árbitras Yoshimi Yamashita (Japão) e Stephanie Frappart (França) e as auxiliares Karen Díaz Medina (México) e Neuza Back (Brasil).
O torneio no Qatar será pioneiro na participação de mulheres no comando.
“Todas estamos acostumadas com isso. Nós trabalhamos em muitas partidas de homens nos nossos países. Isso é normal para nós”, afirma Nesbitt, que começou a apitar aos 14, em jogos disputados pelo seu irmão, atacante.
Ao chegarem ao hotel dos árbitros em Doha, antes da Copa do Mundo, as seis mulheres selecionadas pela Fifa encontraram faixa que dizia “one team” (um time, em inglês). Era uma maneira de dizer que a arbitragem estava unida, pouco importando o gênero. A mensagem foi assimilada. Também pelo lado masculino.
“Não há diferença e o tratamento é igual para homens e mulheres. Somos todos parte do mesmo time”, afirmou o argentino Fernando Rapallini, já candidato a chegar à final apenas pela nacionalidade.
Nos últimos quatro Mundiais, duas decisões foram dirigidas por juízes da Argentina: Horacio Elizondo, em 2006, e Néstor Pitana, em 2018.
Para confirmarem a participação no torneio no Qatar, as seis mulheres tiveram de participar por teste físico em que a meta era a mesma dos homens. Todas passaram.
“Já são anos de trabalho. Eu vejo um objetivo, vejo um sonho e o sonho se tornou realidade. Trabalhei na Copa do Mundo feminina [em 2019], então é mais um passo para mim. Esta é a principal competição do mundo”, diz Nesbitt.
Para ir ao Mundial na França, há três anos, ela teve de tomar uma decisão. Abandonou seu emprego como professora-assistente de química na Towson University, nos Estados Unidos, para se dedicar apenas ao apito.
“É uma honra muito grande representar a arbitragem na Copa do Mundo. Sinto que somos tratadas como se fôssemos integrantes a mais de um time”, diz a americana.
As duas evitaram qualquer polêmica sobre direitos das mulheres no Qatar. Relatório da ONG Human Rights Watch, publicado no ano passado, lembra que no país a mulher precisa obter permissão do seu “guardião masculino” para casar, estudar fora do país com bolsas de estudo governamentais, trabalhar, viajar até certa idade e receber tratamento de saúde para reprodução.
A legislação também proíbe a preferência delas na guarda dos filhos em caso de divórcio.
“Ser parte da Copa do Mundo masculina é uma imagem boa para as mulheres. Se temos a chance de mostrar nossa capacidade em campo, por que não podemos atingir outros níveis? É uma nova oportunidade para nós. É um passo para mostrar que se a mulher tiver espaço para mostrar suas habilidades, ela pode estar em qualquer lugar. Cabe aos outros perceberem isso”, afirma Mukansanga.
Confrontada com a questão da igualdade de gênero no país-sede, Nesbitt respondeu estar focada apenas em fazer o seu trabalho.
Nenhuma delas quer causar polêmica porque entendem que a arbitragem passa por uma reformulação. Nos próximos anos, mais mulheres devem ser incluídas no universo do futebol masculino. As duas não querem atrapalhar esse processo com qualquer declaração controversa. Especialmente agora, que chegaram à Copa.
Redação com os veículos/Folha de São Paulo – Foto: Divulgação
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