A Pobreza da Bolsa – Por Júlio Lóssio*

Como leitor assíduo do Blogdellas, gostaria de parabenizá-las pelos inúmeros artigos de formação política e esclarecimento social.
Gostaria, contudo, de fazer um breve comentário que, em verdade, pode até ser um complemento ao artigo sobre pobreza. É indiscutível que os programas de renda, como o Bolsa Família, reduziram a miséria no Brasil, e de modo especial no Semiárido do Nordeste. Afirmo isso não apenas com base em dados econômicos, mas, de certa forma, como testemunha dessa mudança.
Quando ainda criança, algo em torno dos 12 ou 13 anos, lembro-me bem que em um período de grande estiagem – que, por sinal, se repete em ciclos no sertão nordestino – a fome provocada pela falta de renda levava as pessoas a baterem às portas pedindo “uma esmolinha pelo amor de Deus”. Foram muitas as vezes que vi minha mãe entregar algo para aqueles pedintes famintos.
Lembro de um dia estar no comércio de Jardim, cidade onde vivi dos 2 aos 14 anos , em um sábado, dia da feira local, e uma multidão invadir de vez um comércio de cereais. Foi na época dos saques por comida. Fiquei ao lado da porta vendo aquela correria, gente entrando e saindo com pacotes e sacos de comida. Cada um levando o que cabia nas mãos. De repente, a polícia local, na verdade quatro homens que haviam sido acionados, chegou. Um velhinho de cabeça branca, magro e de pele enrugada, ia saindo do estabelecimento com um saco nas costas e levou um “calço” (um policial estirou a perna), e o velho caiu, espalhando pelo chão toda a comida do saco. Aquela imagem do rosto do velhinho no chão com uma lágrima escorrendo dos olhos nunca saiu da minha cabeça.Faminto e agora humilhado.
A criação dos programas de renda mínima, iniciadas no governo Fernando Henrique Cardoso, ampliadas nos governos Lula e Dilma, e turbinadas no governo Bolsonaro, tornou-se uma política de Estado. De fato, elas mudaram o mapa da miséria, mas, a meu ver, não o da pobreza. Programas de renda mínima já fazem parte da agenda da esquerda e da direita, seja para combater a miséria, como citado acima, seja para suprir o desemprego que ameaça surgir com os avanços tecnológicos que já começam a substituir mão de obra.
Quando governador de Brasília, o pernambucano Cristovam Buarque foi o pioneiro da renda mínima, contudo, associava o programa à participação e ao desempenho escolar, o que certamente representava uma porta de saída futura da miséria, não pela bolsa, mas pelo conhecimento. Infelizmente, o pensamento na próxima eleição retirou o foco das próximas gerações, e o programa, na prática, passou a não ter nenhuma contrapartida social. E o que é dado sem contrapartida não é política social, é, na verdade, esmola.
Já observamos filhos e netos do Bolsa Família, avós que recebem o Bolsa Família, e os filhos e netos também.A grande verdade é que as portas de saída do Bolsa Família foram fechadas ou são muito estritas. Caro Buarque, não vejo outra saída que não seja pela educação, e é por isso que tenho defendido um PLANO VINTENARIO (será motivo de outro artigo) federalizado, com envolvimento de estados e municípios, bem como organizações sociais e empresas privadas, criando não uma porta, mas, a médio prazo, um grande portal de saída da miséria pelo conhecimento.
*Júlio Lóssio é médico e ex-prefeito de Petrolina
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