À majestade do maracatu
Dou continuidade ao desafio de escrever sobre nós mulheres negras e apresento um breve histórico sobre D. Santa, a majestade, a nossa Rainha do Maracatu Nação Elefante. Quem foi esta mulher?
O nome dela é Maria Júlia do Nascimento. nasceu no dia 25 de março de 1877, no pátio de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista, Recife, aqui em Pernambuco. Foi casada com João Vitorino, segundo sargento da Polícia Militar e foi eleita muito nova como rainha do Maracatu Leão Coroado, mas renunciou a este reinado para acompanhar o seu marido que tinha sido escolhido para rei do Maracatu Elefante. Mediadora cultural, como a identifica Isabel Cristina Martins, Dra. professora do Departamento de História da Universidade e do Programa de Pós-Graduação em História da UFPE (Guillen (2006), em seus inscritos, porque sabia articular como ninguém a relação entre maracatuzeiros, produtores culturais populares e representantes da elite recifense, jornalistas e políticos para a consolidação da construção de uma identidade cultural da manifestações afro-brasileiras.
A nossa eterna Rainha do Maracatu participou também de outras manifestações culturais, entre elas, congadas, das troças carnavalescas Verdureira e Miçangueira, e fundou a Troça Carnavalesca Mista Rei dos Ciganos, que posteriormente mudou de nome para Maracatu Porto Rico do Oriente.
Reconhecimento
Durante a pesquisa sobre a fascinante D. Santa descobri que em 1974 a Escola de Samba Império Serrano a homenageou com o samba enredo Dona Santa Rainha do Maracatu.
“Vejam em noite de gala
As nações africanas
Que o tempo não levou
É maracatu
Olhem quanto esplendor
Na festança real
Vêm as nações importantes
Saudando a rainha Dona Santa
Cantarolando num baque virado alucinante
Ô ô ô ô ô
Olha a costa velha do batuque do tambor…”
O reconhecimento não parou por aí. Em 2004, trinta anos depois, Dona Santa voltou a ser homenageada do Carnaval do Recife e nesse mesmo ano a Secretaria de Educação do Recife deu continuidade com a homenagem, mobilizando os docentes e discentes da Rede pública de ensino para pesquisarem sobre Maria Júlia do Nascimento, ou Dona Santa, ialorixá, e reconhecida como a matriarca dos maracatus e terreiros recifenses. Sem dúvida, uma oportuna iniciativa,
Segundo Guillen (2006), Dona Santa é vista como um símbolo potencial para a cultura afro-brasileira, isso se confirma pela referência que os batuqueiros, maracatuzeiros, pais e mães de santo apresentavam em relação a ela, e em retribuição a tal honra, o Maracatu-Nação Cambinda Estrela, a presenteou com esta toada, composta pelo mestre Ivaldo Marciano de França Lima.
“Dona Santa, feiticeira
Juremeira sim senhor.
E todo Recife agora
Reconhece seu valor”Memória e história
Dona Santa ou Santinha, como era chamada, assumiu a presidência do Maracatu Elefante após o falecimento do marido. De acordo com Guerra Peixe, em seu livro Maracatus do Recife, ela teria sido coroada em 1947. O ritual da “coroação” foi realizado no Pátio do Terço, com a coroa que seria enviada para a rainha pelo rei do Candomblé, Joãozinho da Goméia.
No período que ela assumiu a presidência do Maracatu Elefante, o Recife era palco de conflitos devido à perseguição das posturas municipais contra as manifestações populares, principalmente as de matrizes africanas, que eram classificadas com preconceito racial, como “coisas de negros incivilizados” ( GULLEN (2006), citando (MALA,1995). Mediante a abordagem das autoridades policiais, Dona Santa se apresentava como presidenta do maracatu.
O período do Governo de Agamenon Magalhães as religiões de matrizes africanas foram perseguidas, muitos terreiros foram fechados sob a mentira de que lá se praticava charlatanismo. Dona Santa, foi presa porque era “catimbozeira”. Por isso foi tratada de maneira preconceituosa pela imprensa local, mas deu a volta por cima pela sua liderança no maracatu, por sua afirmação religiosa, como mãe de santo e sua articulação com as/os representantes das comunidades afrodescendentes composta por maracatus, filhas/os de santo, ialorixás e babalorixás, como também determinado grupo de intelectuais recifenses que reconheceram o seu poder de matriarca e seu destaque como rainha do maracatu. A partir daí em Pernambuco, o maracatu passou a representar a identidade negra muito bem defendida por Dona Santa que , ao se tornar destaque nas capas e reportagens de Revista expressivas da época, como O Cruzeiro, ela foi elevada ao símbolo da matriarca africana.
Dona Santa faleceu aos 85 anos em 1962 e nos deixou o seu legado de resistência em meio aos conflitos, negociações e conquista de espaço, como mediadora cultural na luta pela preservação da nossa cultura e história afro-brasileira.
Maria de Fátima Oliveira Batista é Professora das redes públicas de ensino de Pernambuco e do Recife e colaboradora permanente do Blog Dellas.
Fotos-Arquivo-Divulgação