A luta pelo 6 de março – Por Terezinha Nunes*

 

Em 2006, o povo pernambucano me elegeu deputada estadual com mais de 45 mil votos. Foi uma das maiores alegrias da minha vida. Paraibana, comecei a amar Pernambuco ainda criança. Morava em Teixeira, cidade vizinha de São José do Egito, as duas reconhecidas berço dos cantadores de viola do Nordeste, herança dos nossos ancestrais, cristãos novos, admiradores dos menestréis da Península Ibérica, de onde migraram para o Nordeste para fugir da inquisição e, consequente, da perseguição aos judeus. Em Teixeira nasceram, dentro da nossa família, os primeiros e mais famosos repentistas nordestino. Foram seguidos pelos irmãos Batista de São José do Egito, Lourival, Dimas e Otacílio, sobrinhos do meu avó Sebastião Batista de Melo que tocava violão, cantava e escrevia poesias. Ainda crianças o batizamos de “Papai da Música”. Foi em Teixeira onde nasceu Zé Limeira, o chamado “Poeta do Absurdo”.

Em 1968 cheguei ao Recife para concluir o ensino médio com outros irmãos. Aqui ficamos. A história de Pernambuco me encantou desde o início e, logo no primeiro ano de mandato, em 2007, embalada com a informação que me dera o amigo advogado e amante da cultura, Humberto Vieira de Melo, de que Pernambuco, apesar da rica história, era o único estado brasileiro a não ter sua Data Magna – dia de comemoração da luta pela liberdade de seu povo – resolvi de imediato abraçar a idéia. Para isso ele me informou que uma Lei Federal, assinada por Fernando Henrique, tornara feriado estadual a Data Magna de cada estado. Sabendo da resistência que iria enfrentar fui atrás da Lei e fiz uma pesquisa nacional para comprovar que só Pernambuco estava fora dessa relação. Não era impossível provar isso.

Conversei com um dos meus colegas deputados e senti simpatia pela idéia mas ouvia um muxoxo quando falava em feriado, apesar da Lei Federal, que os estados são obrigados a cumprir, determinar isso. Precisava, porém, integrar a sociedade ao projeto e recebemos de pronto o apoio do Instituto Histórico e de historiadores de todos os cantos do estado. Começamos então na Assembléia uma série de debates nos quais contamos com a colaboração e o entusiasmo dos colegas Isaltino Nascimento e Teresa Leitão. A Asserpe – Associação de Empresas de Rádio e Televisão de Pernambuco – se incorporou à luta e , a partir da sugestão dos historiadores, foram escolhidas 5 datas importantes para que a população votasse em todo o estado, através das emissoras estaduais. Em cada cidade um historiador se encarregava de, pelo rádio, fornecer as informações necessárias aos votantes. Por fim, foi a escolhida a Revolução de 1817, a maior revolução brasileira, como a batizou Oliveira Lima. O 6 de março de 1817 foi o dia em que o movimento ganhou as ruas.

Como era esperado, a Assembléia, cedendo ao apelo dos empresários, sobretudo comerciantes, não aceitou reconhecer o feriado. Conseguimos, porém, enxertar no texto um ponto facultativo. O feriado só viria em 2017 – na celebração aos 200 anos da Revolução. Mais uma vez com a colaboração de Isaltino que, sendo líder do Governo – eu era integrante da oposição – tinha todas as credenciais para ajudar na captação de votos entre os colegas decidiu assinar propor, junto comigo, a mudança na lei para que o feriado fosse, finalmente, aceito. Teresa Leitão também colaborou assim como o presidente da Alepe, Guilherme Uchoa, que integrava a maçonaria. O arcebispo Dom Fernando Saburido também ajudou, afinal o 6 de março foi gestado no Seminário de Olinda, onde padres (alguns deles maçons) inspirados pelo Iluminismo (entre eles Frei Caneca) decidiram encabeçar um movimento que levou à prisão mais de 60 sacerdotes mas instituiu em Pernambuco, uma República separada de Portugal. O movimento  é conhecido também como “Revolução dos Padres”. Os revoltosos criaram um estado autônomo onde a Lei protegia a liberdade de imprensa, os direitos humanos e que tornou nosso estado independente de Portugal por 75 dias, com Governo próprio e até embaixador nos Estados Unidos.

A resposta de Portugal foi terrível. Massacrou os revoltosos, tirou a Comarca do São Francisco de Pernambuco, mas não impediu que a partir de 1817 vários outros estados fossem promovendo suas revoluções próprias – Pernambuco teve também sua Confederação  do Equador em 1824, quando Frei Caneca foi assassinado. Mas já em 1822 a Coroa Portuguesa através, de Dom Pedro I, concordara com a declaração da independência brasileira mas ainda ao modo lusitano. Em 1817 o movimento foi separatista e republicano, longe, portanto dos reis, rainhas e imperadores portugueses. O 6 de março é tão marcante na história pernambucana que a nossa bandeira, a mais bela do país, até hoje é símbolo que a população carrega nas roupas, nos chapéus e até nos cadernos escolares.

Em memória dos heróis de 1817, Pernambuco precisa celebrar com uma grande festa popular sua Data Magna como fazem, por exemplo, a Bahia e São Paulo. A Bahia celebra a Conjuração Baiana de 2 de julho de 1823, que eclodiu cinco anos depois da pernambucana, mas que também pregava a independência; e São Paulo a Revolução Constitucionalista de 1932 que também teve uma constituição e combatia o Governo de Getúlio Vargas. A luta durou 87 dias e deixou 934 mortos. O feriado de 6 de março é uma conquista porque, só a partir dele, as pessoas e, sobretudo as escolas, despertaram para a Revolução de 1817. Hoje os alunos durante a semana do 6 de março escrevem textos, participam de debates e criam peças teatrais lembrando a luta dos revoltosos e o pioneirismo deste estado.

*Terezinha Nunes, jornalista e ex-deputada estadual foi autora da Lei da Data Magna. É atualmente editora do Blogdellas.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

Compartilhar