A Justiça é uma mulher negra – Por Ingrid Zanella*

 

Precisamos de representatividade. Ouvi de uma querida e respeitada amiga advogada esta semana que a Justiça é uma mulher negra. Concordo. E essa máxima nos remete ao ano de 1770, quando uma mulher negra, mãe, escravizada, chamada Esperança Garcia, escreveu uma carta, em 6 de setembro, ao governador da capitania do Piauí, para denunciar atos de violência que ela e outras trabalhadoras e seus filhos sofriam numa fazenda (Algodões), próximo a Oeiras, nas imediações de Teresina.

Com aquela petição, em forma de carta, nascia a Justiça do nosso país. E a sua primeira advogada era mulher. E negra. Esse registro se constitui em um dos primeiros documentos do Direito que se tem notícia. Um símbolo de resistência e ousadia na luta por direitos no contexto do Brasil escravocrata do século XVIII, mais de cem anos antes de o Estado brasileiro reconhecê-los formalmente.

É histórico. Muito significativo. Tinha que ser uma mulher. E uma mulher negra.

Todos nós acompanhamos os números do nosso país. Sabemos dos altos e preocupantes índices que dividem a questão racial. A violência contra a mulher e contra a mulher negra só aumenta. E constatamos sempre uma certeza ao analisarmos a questão: precisamos de representatividade.

Os números incomodam. Mas não basta nos aquietarmos. A gente sofre, questiona todo dia. É preciso ter, cada vez mais, como aliados as instituições que nos respaldem sobre esses incômodos, que lutem ao lado da sociedade pelo fim desses números vergonhosos. Para um país democrático, nós temos muitas injustiças.

Chegamos em 2024 somando muitas conquistas. Devemos aplaudir, sim, todas as que vieram em prol da igualdade racial. Mas temos que identificar quais os instrumentos concretos criados e capazes de mudar a desigualdade social, a violência e o racismo no nosso país. Eles existem, infelizmente existem.

Temos consciência de que cabe a nós, representantes de instituições como a OAB-PE, ter como compromisso hoje e sempre a igualdade racial, por um mundo mais justo. Por mulheres negras fazendo justiça. Com mulheres negras fazendo justiça em cargos de liderança. Representativamente. E é isso que nós queremos.

Quando a gente ocupa cargos assim, ou mudamos o curso da história ou é melhor não passar por cargos de liderança no país. O nosso compromisso, reafirmo, é mudar a história do nosso país. Portanto, a Justiça sempre será uma mulher negra.

*Ingrid Zanella. Artigo que reproduz o pronunciamento da vice-presidente da OAB-PE quando da entrega da Medalha Esperança Garcia 2024 para três personalidades notáveis na luta pela equidade racial e combate ao racismo: Carmem Virgínia, Mariana Melo e Roseli Pankararu. Também representando a luta contra o racismo, outras 31 mulheres foram homenageadas com votos de aplausos na cerimônia realizada no auditório da OAB-PE.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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