A força da amamentação – Por Daniel Becker*

 

– No Brasil, 45% dos bebês com menos de seis meses estão sendo amamentados com exclusividade –

Ainda temos muito a avançar, mas podemos dizer que a sociedade brasileira tem compreendido cada vez mais a importância da amamentação para a infância e para o nosso bem coletivo.

Escrevi anteriores sobre o tema e falei sobre as dificuldades inerentes ao ato de amamentar, a maior parte delas ligada à indústria do leite. Suas estratégias de marketing vão evoluindo, e hoje são direcionadas para a internet, utilizando a inteligência artificial para alcançar gestantes e mães de crianças pequenas nas redes sociais. Além de sabotarem as mães, ainda contribuem para criar uma cultura “anti-amamentação”.

A mãe que amamenta — como vimos, de longe a opção mais benéfica, natural, saudável, econômica, sustentável e humana — precisa de apoio. Mas muitas vezes tem de enfrentar palpites nocivos ainda na maternidade, de profissionais que insistem que ela dê uma mamadeira para “parar o choro”. Já em casa, o mesmo discurso pode vir da família — muitas vezes da sua própria mãe ou do parceiro. Se amamenta em público pode ser repreendida por expor parcialmente seus seios (numa sociedade dominada pelo erotismo comercial). Na volta ao trabalho, nenhum apoio da empresa. E para as mulheres mais pobres, no mercado informal ou as “mães solo”, a situação é ainda mais difícil.

Mas há resistência. O Brasil fez muito para retomar a cultura do aleitamento materno nas últimas décadas, com o trabalho do Ministério da Saúde, do Unicef e da sociedade civil. Criou o Programa Nacional de Aleitamento Materno, aderiu à Semana Mundial da Amamentação e instituiu o Agosto Dourado. A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano é um orgulho do SUS, exportada para vários países. Criados inicialmente para coletar leite humano para prematuros em hospitais, os bancos se transformaram em centros de apoio à amamentação e se disseminaram por todo o Brasil. Suas equipes multidisciplinares apoiam mulheres com dificuldades para amamentar e formam milhares de consultoras de amamentação, multiplicando ainda mais o trabalho.

Além disso, o Brasil tem excelentes ferramentas, que precisam ser fortalecidas, como a NBCAL (que mencionei no último domingo) e a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, uma estratégia que implementa nas maternidades os “dez passos para o sucesso do aleitamento materno”. Entre eles estão ajudar a mãe a amamentar ainda na sala de parto e orientá-la na sequência, não oferecer ao bebê nenhum outro alimento (e nem chupetas e mamadeiras), praticar o alojamento conjunto e encorajar a amamentação sob livre demanda.

O progresso alcançado é enorme. Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) de 2019, entre os bebês menores de 6 meses de idade, 45,8% estavam sendo amamentados exclusivamente; e 62,4% mamaram na primeira hora de vida. Entre crianças de 12 meses a 2 anos, a prevalência de aleitamento materno foi de 43,6%. Melhoramos muito em relação aos números de três décadas atrás, mas ainda estamos longe da recomendação da OMS para 2030, de 70% de amamentação exclusiva até os 6 meses.

De todo modo, podemos nos orgulhar. Estamos à frente da maioria dos países. As conquistas se devem muito especialmente às nossas políticas públicas e à militância de mulheres, profissionais de saúde, grupos de mães e ONGs que vêm lutando em defesa do aleitamento.

Essa construção deve ser uma responsabilidade coletiva. Os benefícios sociais, econômicos, sanitários e ambientais que o aleitamento oferece são incontáveis. Por isso, precisamos expandir as políticas públicas estruturais de apoio à amamentação e de ações nos locais de trabalho, unidades de saúde e comunidades empobrecidas. É necessário que as mulheres tenham direito à licença-maternidade remunerada de 6 meses, coerente com a recomendação da OMS para amamentação exclusiva, além de formas de apoio às milhões de trabalhadoras informais.

*Daniel Becker é médico sanitarista e colunista de O Globo. Texto compartilhado. Foto-Divulgação.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

Compartilhar