A eleição que desafia teses – Por Míriam Leitão*
-Nem tudo é como parece nas eleições municipais. É preciso cuidado antes de proclamar vencedores, a política tem muitas nuances –
Esta eleição municipal está derrotando muitas teses. A direita ganhou a eleição? Sim, mas que direita e que centro venceram? A maioria das prefeituras vai ser controlada pelo PSD, MDB, PP, União Brasil e PL. Em geral, são partidos pragmáticos que ora fazem coalizão à esquerda, ora à direita, mas não houve um fortalecimento da direita antidemocrática. Mesmo o PL não é todo fechado com Bolsonaro. Porém, o problema é que o avanço desses partidos foi turbinado pelas emendas parlamentares. Primeiro distorceram a execução do Orçamento, depois interferiram nas tendências eleitorais. É aí que mora o perigo.
O falsário Pablo Marçal teve parcela relevante dos votos? Sim, mas ficou fora do processo eleitoral e agora terá contas a acertar com a Justiça Eleitoral e a Criminal. É um fenômeno que pode se esvanecer como é natural após as derrotas. O caso precisa ser estudado para a compreensão do sentimento dos eleitores e para se criar antídotos ao veneno que ele tentou injetar na democracia brasileira. Antes de jogar uma bomba de mentiras na reta final da campanha, Marçal deu todos os sinais de que agia de má-fé. A Justiça, muita acusada de ativismo, pecou desta vez por inação ao deixar de atuar preventivamente. Mas os eleitores de São Paulo nos deram uma nova chance para aprender como lidar com fraudulentos e manipuladores nesse grau extremado.
Jair Bolsonaro se fortaleceu? Ele teve vitórias importantes, porém localizadas. Em algumas cidades, candidatos tiveram desempenho surpreendente diretamente pelo apoio dele, como Goiânia com Fred Rodrigues, Curitiba com Cristina Graeml, e Belo Horizonte com Bruno Engler, mas em algumas delas instalou-se uma guerra entre duas direitas. Na capital de Goiás, será ele contra Ronaldo Caiado a quem chamou de “covarde” recentemente. Em Campo Grande, ele traiu a promessa que havia feito à sua ex-ministra Tereza Cristina e não apoiou a candidata do PP, Adriane Lopes que, mesmo assim, está no segundo turno. Seu candidato foi derrotado. Onde Bolsonaro mais precisava demonstrar poder eleitoral, o Rio de Janeiro, seu reduto, o candidato escolhido não chegou ao segundo turno. Em São Paulo, deu sinais dúbios e foi atropelado pelos fatos. Na extrema-direita, ele foi desafiado e se mostrou acuado. A parcela da direita mais ligada ao ex-presidente tem hoje muitas divisões.
O governador Tarcísio de Freitas se fortaleceu por ter sido o grande fiador da campanha do prefeito Ricardo Nunes? Pode ser. Por outro lado, Nunes teve também R$ 8 bilhões para investir, a máquina da prefeitura, o maior tempo de TV e um exército de candidatos a vereador pedindo votos para ele. E ainda assim ficou com menos de 30% dos votos. Mesmo na frente nas pesquisas de segundo turno, tem ainda um caminho até o dia 27.
Se o prefeito vencer, Tarcísio passa a ter cacife para disputar a presidência? Disputar sim, vencer é mais difícil. Um ex-governador de São Paulo para chegar ao Planalto tem que atravessar um Everest. Tentaram Orestes Quércia, Mário Covas, Paulo Maluf, José Serra e Geraldo Alckmin. Todos foram parados no caminho. Nada na política é automático e é isso que torna a análise política tão desafiadora e instigante. São Paulo é o maior colégio eleitoral do país, portanto quem o governa, sai de casa carregando estatísticas favoráveis. Deveria ser o favorito natural, mas seus ex-governadores nunca chegaram ao Planalto, desde a redemocratização.
Partidos no poder aumentam suas bancadas e suas prefeituras? Sim, mas nessa eleição municipal isso não aconteceu. Há uma desconexão da esquerda com as transformações da sociedade em tempos de rupturas tecnológicas e de mudança no mundo do trabalho. A esquerda precisa de novas lideranças e de novas propostas. O centro também precisa se renovar, porque os velhos métodos fisiológicos do centrão podem ser eficientes para alguns propósitos, mas não para um novo projeto para o Brasil.
É preciso ressaltar que o grande vencedor da eleição é o processo eleitoral em si. A urna, atacada por quatro anos com disparos diretos da presidência da República, chegou com sua credibilidade intacta à primeira eleição pós-Bolsonaro. Tudo funcionou perfeitamente e, mesmo na mais renhida das disputas, a paulistana, o resultado estava oficializado quatro horas após o fechamento das urnas. Sim, o Brasil tem uma eficiente e confiável tecnologia de registro da vontade popular. Revoguem-se as teses em contrário.
*Míriam Leitão é colunista de O Globo. Texto escrito com a colaboração de Ana Carolina Diniz, também integrante da redação do Jornal.
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