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A arte pernambucana de Paulo Bruscky em São Paulo

Tem pernambucano brilhando com duas mostras de arte em São Paulo. Em vez de vagas para os carros dos visitantes, um pedaço de madeira com cabrestos nos quais podem ser amarrados burros e cavalos. Assim Paulo Bruscky transformou o estacionamento da galeria Nara Roesler, numa das regiões mais ricas de São Paulo, em garagem para quadrúpedes. Inédita, a instalação “Estacione Seu Burro Aqui”, imaginada pelo artista nos anos 1970, ganhou forma pela primeira vez agora numa exposição concebida a partir das anotações de Bruscky em cadernos variados. “Toda a minha vida está aqui. Às vezes eu anoto uma frase e já sei o que é”, ele diz, mostrando três de seus bancos de ideias, como chama seus livros de rascunhos e colagens que mantém há mais de 50 anos.A mostra ali fica até 29 de julho.

Várias obras que antes só existiam na imaginação do artista, com seu trabalho multimídia, carregado de crítica social e ironia—, estão materializadas nessa mostra só de instalações na galeria paulistana. Outro desses trabalhos é um tonel de lixo aberto com um espelho no fundo, no qual o visitante se vê refletido caso vá espionar o conteúdo da lata.

No meio da galeria, um amontoado de pedras, tijolos e uma pá simulam um ambiente de construção, atravancando a circulação. “É para atrapalhar mesmo”, diz Bruscky, sobre “Trecho em Obras”. Misturar arte e cotidiano é um dos aspectos centrais na poética do artista, assim como se vê em outro trabalho, “Amsterdã Erótica”, uma série de fotografias e o vídeo de uma performance nos quais ele simula que os pilares das ruas da cidade são pênis.”As pessoas têm que ver a arte nas coisas. Vida e arte são a mesma coisa. É ‘vidarte’, uma palavra só. Elas estão juntas e vivem juntas. A arte cabe em qualquer lugar, qualquer canto, na rua, na vitrine”, ele afirma, acrescentando que o público deveria perder o medo de entrar em galerias de arte sendo que entra em shoppings e restaurantes.

Se irreverência é a palavra de ordem na mostra da galeria, não se pode dizer o mesmo de outra exposição de Bruscky , no Instituto de Arte Contemporânea, o IAC, também em São Paulo, até dia 5 de agosto próximo. Nessa mostra carregada de crítica política estão reunidos dezenas de documentos e obras dele e de outros artistas com quem ele se correspondia num movimento que ficou conhecido como arte postal.

Durante o período das ditaduras na América Latina e dos regimes repressivos nos países do leste da Europa —as regiões em evidência na exposição—, Bruscky trocava por correio cartas, cartões postais, pôsteres, desenhos e fotocópias com outros artistas que, assim como ele, viviam sob governos que vigiavam a liberdade de expressão. Até fitas cassete com poemas sonoros eram enviadas, segundo o artista, hoje com 74 anos.Usar o serviço de correio era uma forma das obras escaparem à censura, diz Jacopo Crivelli Visconti, o organizador das duas exposições, porque era praticamente impossível para os governos controlarem milhares de correspondências e porque o conteúdo dos envelopes muitas vezes não era entendido como arte. Boa parte dos trabalhos abordam a mão de ferro do Estado sob a qual os artistas viviam.

“Mais do que o suporte [das obras], é a ideia de uma circulação que é central na arte postal”, afirma Crivelli Visconti. “As obras de arte postal nunca eram concebidas como obras fechadas, assépticas, que você faz e aquilo acabou e é para pôr numa moldura e num cubo branco. Muito pelo contrário. Muitas vezes as obras eram concebidas para serem colaborativas, continuadas por quem as recebesse.”Nas poucas vezes em que essas obras vieram à tona em espaços institucionais, elas obviamente não foram bem recebidas pelos agentes da ditadura brasileira. Em 1976, Bruscky organizou uma exposição internacional de arte postal no próprio prédio dos Correios no Recife, onde ainda vive. No dia da abertura, censores baixaram no lugar e exigiram que o artista removesse alguns trabalhos. Ele se negou e foi preso pelos agentes.

Todo o material da exposição do IAC vem do acervo de Bruscky, composto por cerca de 70 mil itens entre obras, documentos e correspondências abrangendo as principais vanguardas do século 20, como pop art, poesia experimental e os grupos Gutai e Fluxus. Esse inventário ocupa o ateliê do artista no Recife de cima a baixo —no passado, seu ambiente de trabalho foi trazido para a capital paulista e exposto numa Bienal de São Paulo.Um dos destaques da exposição no IAC é uma carta do artista Juan Carlos Romero a Bruscky, mostrada junto a páginas de um livro do argentino onde se lê a palavra violência em grandes letras de forma. Vale mencionar também uma série de folhetos e colagens do chileno Clemente Padín, exibidas ao lado do envelope original —que é uma obra de arte em si— carimbado com os dizeres “mail art”.

Afora as duas exposições, Bruscky é agora tema de um documentário do cineasta Eryk Rocha, que vem acompanhando seu processo de criação há alguns meses. A partir do ano que vem, o filme deve começar a circular nos festivais.

Redação com veículos/assessoria- Fotos/Imagens: Divulgação

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