Alerta: As profissões levam cada vez mais ao aparecimento de doenças’, diz presidente do Einstein

 

 

Cirurgião do aparelho digestivo e coloproctologista, Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, observa com apreensão o avanço dos diagnósticos de câncer colorretal em pacientes que passam pelo centro de oncologia do centro de saúde, em São Paulo, mas com unidades também em outros seis estados e o Distrito Federal.

Segundo levantamento interno, a média anual de pacientes atendidos saltou 83% entre 2015 e 2021.

Para ele, o crescimento importante de diagnósticos está relacionado à piora dos hábitos de vida dos pacientes. Cada vez mais acelerados, descontam na alimentação pouco saudável, carregam na ansiedade e não têm tempo nem mesmo para ir ao banheiro como se deve. Embora os números preocupem, Klajner vê com bons olhos o avanço da genética para personalizar os tratamentos oncológicos — e acredita que uma revolução na lida com a doença ocorrerá em uma década. O Blog Dellas compartilha a entrevista publicada pelo Jornal o Globo.

O que explica o aumento de 80% em casos de câncer colorretal nos últimos anos?

Estamos há décadas observando o aumento de diagnósticos de câncer no colo ou no reto. Antes, tínhamos um volume muito maior de casos de tumores no estômago, cujo desenvolvimento está ligado ao consumo de alimentos mal-conservados, que ficaram fora da geladeira — muitas pessoas não tinham condições de acondicioná-los adequadamente, o que melhorou. Com essa mudança, a lista de pacientes com câncer de estômago foi reduzida. Mas, em outra mão, vem em crescente o câncer colorretal, que tem mais a ver com dietas pouco saudáveis.

Qual tipo de dieta está relacionada a quadros do tipo?

Esse tipo de câncer, segundo a teroria mais aceita, está ligado a uma “dieta ocidental”. E, também, ao que se chama de obstipação crônica (intestino preso com grande frequência). Quadro causado, inclusive, por alimentos que contêm substâncias carcinogênicas, que permanecem mais tempo em contato com a mucosa intestinal. São os produtos industrializados, embutidos. Neste caso, há ainda uma descoberta mais recente de que quem consome a carne vermelha extremamente bem passada, tem ocorrência do câncer colorretal aumentado. Isso está relacionado, vale dizer, ao alto consumo. E quando falo em alto consumo é de alguém que o faz todos os dias.

Quem são as pessoas que chegam ao seu consultório e à sua mesa de cirurgia com quadros de câncer colorretal?

São pacientes com altos níveis de ansiedade, sem tempo para se cuidar, que protelam seus exames de check-up. Está associado a tabagismo, obesidade, sedentarismo e constipação.

A pandemia piorou o ritmo de exames?

Grande parte da prevenção do câncer colorretal está na realização da colonoscopia, que foi postergada pelos pacientes por conta do avanço da Covid-19. Até o controle de quem fazia o acompanhamento pós-diagnóstico do câncer foi protelado. A estimativa é que as consultas de controle oncológico apresentaram 30% de queda durante a pandemia. As pessoas deixaram de fazer o check-up necessário. Muita gente tinha tomografias prometidas para seis meses e não fez, com medo de vir ao hospital. Mas a oportunidade de ter sucesso no tratamento do câncer está atrelada à detecção precoce de alguma anormalidade, que é baseada nesses exames. Com a demora, perde-se uma valiosa oportunidade.

Quais mecanismos corporais levam à esse tipo de diagnóstico?

Infelizmente, esse câncer aparece em uma população cada vez mais jovem. É por isso que passou a ser indicado a realizar a primeira colonoscopia aos 45 anos desde 2018. Antes disso, o indicado era aos 50 anos. Quem tem histórico familiar de câncer de colón recomenda-se fazer a colonoscopia dez anos antes do que quando o tal parente teve o diagnóstico. A imensa maioria dos casos é caracterizada pela evolução do crescimento de um pólipo (um tipo de formação anormal de tecidos de mucosas), uma lesão benigna, que, de acordo com a teoria mais aceita, está ligada a essa alimentação ocidental. Mas existe um câncer que aparece por uma pré-disposição genética e hereditária. Essas são pessoas com indicação para um aconselhamento genético.

Como assim?

Se você detecta um câncer em uma pessoa muito jovem, a chance desse câncer ter aparecido por questões genéticas é muito maior. Porque o pólipo só vira câncer 10 a 15 anos depois de seu aparecimento. Então, na hora em que se vê alguém da família com câncer muito jovem é preciso pensar em uma consulta em genética.

A genética já é determinante para esse diagnóstico?

Ainda não conhecemos tudo o que podemos conhecer (para determinar todos os diagnósticos), precisamos ainda fazer as perguntas certas para saber dar as melhores respostas. Inclusive para tratamento. Num futuro próximo, vamos saber qual quimioterápico agirá melhor em cada tipo de tumor. Hoje o tratamento oncológico é o “one size fits all” (um tamanho serve para todos). Em alguns casos, há três tipos de drogas indicadas para certos tipos de tumor, mas para algumas pessoas não acontece nada. No futuro, saberemos por que a resposta não foi boa, baseado na genética.

A medicina está pronta para apresentar uma resposta boa o suficiente para remediar a piora progressiva dos hábitos de vida?

Remediar é uma coisa. Prevenir é outra e vale não só para o câncer. Faz parte do nosso trabalho, na área da saúde, incutir hábitos saudáveis associados à prevenção de uma série de doenças. Poderíamos falar de hipertensão, obesidade ou tabagismo. As profissões atualmente levam cada vez mais ao aparecimento de doenças. A prevenção precisa dessa comunicação de hábitos mais saudáveis, mas passa também pela percepção de quem nos governa de que é necessária a possibilidade de realizar esses hábitos. Não adianta nada a gente defender isso e a pessoa ainda demorar duas horas para chegar ao trabalho. Ou sair para caminhar na rua sem segurança e iluminação adequada, correndo uma série de riscos. É preciso, por parte de quem nos governa, que exista o desejo de ampliar a disponibilidade dos alimentos que são mais saudáveis – ainda é mais barato, por exemplo, comprar bolacha e fast food do que uma refeição completa, que contenha feijão e salada. A promoção desses hábitos depende da sociedade, mas também de quem nos governa. É preciso pensar no conceito de cidades saudáveis. Enquanto isso não chega, o papel da medicina é remediar. Quem sabe, se a genética permitir assim, com a detecção mais precoce.

Blog Dellas com informações e imagem do Jornal O Globo.

Foto: Sidney Klajner/ Divulgação/O Globo

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