Democracia e Governança Criminal na América Latina – Por José Maria P. da Nóbrega Júnior *

A principal preocupação dos brasileiros é a segurança pública, conforme apontam as pesquisas de opinião mais recentes divulgadas pela Genial Quaest. Todavia, assaltos, roubos, homicídios, estupros, tráfico de drogas e a atuação do crime organizado fazem parte do cotidiano não apenas do Brasil, mas também de diversos países latino-americanos. A América Latina concentra mais de 40% dos homicídios do mundo e o Brasil é responsável por 10% desses registros. O crime organizado está descontrolado há décadas e a região é a principal reprodutora de organizações criminosas do globo, fornecendo ao mundo as drogas para o consumo.
No Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC) se tornou uma organização transnacional com parceiros em muitas regiões do planeta, como na Itália, na África e nos Estados Unidos. Sua rede criminosa adentrou nas instituições do estado e mina a estabilidade política da região, não só do Brasil.
No Índice Global de Criminalidade, de um total de 193 países analisados, o Brasil está entre os 63 países de maior criminalidade e menor índice de resiliência – que é a capacidade das instituições coercitivas (polícias, ministério público, justiça e cárcere) de combater à criminalidade. Dos indicadores de criminalidade do Brasil se destacam o índice de tráfico de drogas, com altíssimo nível de tráfico de cocaína e de maconha, com altos níveis de crimes contra a fauna e a flora (como podemos ver nas constantes queimadas na região Norte), nível alto de presença de atores criminosos dentro do estado, o que facilita a atividade criminosa. O indicador médio de criminalidade foi de 6,77 e o de mercado criminal foi de 6,93, enquanto o nível de resiliência foi de 4,92, conforme ilustra o gráfico abaixo.
Gráfico 1. Indicadores de Governança Criminal no Brasil

A democracia é um regime que, além de eleições livres e limpas, deve garantir direitos básicos sob um estado de direito usável e controlar a violência e a criminalidade (O´DONNELL, 1999; MAINWARING; PÉREZ-LIÑÁN, 2023). Impera no estado democrático de direito o império da lei no qual ninguém é de legibus solutus.
Na realidade das periferias latino-americanas, o que impera é o vazio de poder com a assunção de grupos criminosos que instalam suas próprias regras, lesando direitos básicos e desrespeitando frontalmente as cartas constitucionais. Fato decisivo ao estado democrático de direito é o poder de seu sistema de justiça criminal. Na ausência ou fragilidade desse conjunto institucional estatal, a criminalidade se alimenta.
Tabela 2. América Latina | Sistema de Justiça Criminal | Índice de Democracia
América Latina JUSTIÇA CRIMINAL DEMOCRACIA
Tabela 2. América Latina | Sistema de Justiça Criminal | Índice de Democracia

O sistema de justiça criminal do Rule of Law Index do projeto World Justice Project é definido procedimentalmente como: a. sistema de investigação criminal eficaz; b. sistema de julgamento eficaz e eficiente; c. sistema correcional eficaz da redução do comportamento criminoso; d. sistema criminal imparcial; e. sistema criminal livre da corrupção; f. sistema criminal livre da influência de governos; e g. devido processo legal garantido com os direitos dos acusados.
O indicador é mensurado entre 0 (nenhuma capacidade estatal) e 1 (total capacidade estatal). Na tabela acima, vemos que a pior situação do sistema de justiça criminal é a da Venezuela, sendo também o pior indicador de democracia no Democracy Index. Por outro lado, o Uruguai apresentou o melhor indicador de justiça criminal e o melhor de democracia. A correlação entre os fatores é alta, com um R igual a 0,894 o que pode ser refletido no gráfico abaixo:
Gráfico 2. Linha de tendência do nível de associação entre os indicadores de justiça criminal e de democracia

A linha de tendência com os dados em formato de dispersão mostra o alinhamento dos países em torno dos dois indicadores. Isto demonstra que onde há fraca governança da justiça criminal, há menor desempenho do sistema democrático.
*José Maria P. da Nóbrega Júnior – Professor Associado de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande (PB). Duília Dalyana R. S. da Nóbrega – Cientista Política – PHD student/UFPE
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