E o Natal, que virou um carnaval… Já podemos falar em ciclo “carnavalino”?- por Letícia Lins*
Disse-me certa vez, e há algum tempo, o querido poeta Affonso Romano de Sant’ anna que, no Brasil, há sempre uma carnavalização para cada fato. Contei então, que aqui no Recife havia bloco carnavalesco para tudo: hospital, manicômio, repartição, loja, livraria, banco, empresa de saneamento… E ele relatou algumas situações que, em outros países, jamais seriam carnavalizados. Pelo que se observa, o Natal do Recife é a mais nova data a protagonizar tal fenômeno. No passado, carnaval era frevo, samba, maracatu, Vassourinhas, Madeira que cupim não rói. Natal era pastoril, reisado, cavalo-marinho, fandango, bois, encenações religiosas, Noite Feliz, Jingle Bell, Aleluia, Missa do Galo… Mas agora, pelo que se vê, o Natal é carnaval. Ou seja, estamos vivenciando não um “Ciclo Natalino”, mas “Carnavalino”. A simbiose, no entanto, não é assim tão nova. Pois os boisl, por exemplo, surgiram no Natal, segundo relata Pereira da Costa (1851-1923). E depois migraram para o carnaval. Já os blocos líricos tiveram origem nos pastoris religiosos. Ou seja, tudo se mistura.
E a julgar com o que a gente vê hoje nas ruas, o “Ciclo Natalino” está muito parecido com a festa momesca. Quem não passou pelo Marco Zero, no Dia da Cantata da Caixa Cultural ou no domingo do desfile do Caminhão da Coca-Cola? As duas multidões lembravam ou não a do desfile de O Galo da Madrugada? As músicas natalinas da caravana do icônico refrigerante (menos para mim, que vivo sem ele) se misturavam aos acordes de blocos carnavalescos, aos sons de alfaias de ensaios de maracatu e a metais do frevo. Curioso? Não. A Secretaria de Cultura acha que esse “boom” natalino veio para ficar. E na sexta (27/12) o clima “carnavalino” se repete, com desfile de maracatus rurais e caboclinhos no Recife Antigo. Antes, agremiações do gênero iam às ruas ao carnaval. Agora ganham a avenida no Natal. Mas, pelo menos, a nossa cultura popular agora é valorizada o ano inteiro. E isso é bom, não é? Pois é. Amanhã tem maracatu, caboclinhos e Maestro Spok com convidados, no bairro do Recife.
E onde tem Spok, tem frevo… “O último Frevo do ano faz contagem regressiva para 2025 mergulhado na cadência e brincadeira de alguns dos ritmos centenários que fazem ebulir o caldeirão cultural de Pernambuco”, informa o Paço do Frevo. É que amanhã a partir das 19h, o Paço do Frevo realiza a décima edição de seu “Pré-Réveillon do Paço” com o Caboclinho 7 Flexas (Recife) e o Maracatu Estrela Brilhante (Nazaré da Mata). No palco, em frente ao Paço, Maestro Spok ao lado de seus especiais convidados: Cláudio Rabeca, Jota Michiles, Laís Senna e Neris Rodrigues. E o que é que vem por aí? Frevoooooooooooooooooooooooo, claro. O acesso é gratuito.
A festa começa com o Caboclinho 7 Flexas e o Maracatu de Baque Solto Estrela Brilhante saindo em desfile, uma agremiação pela Rua do Bom Jesus e outra pela Rua da Guia. O grande encontro de Patrimônios Culturais Imateriais do Brasil acontece em frente ao Paço do Frevo, onde a cultura indígena da capital e a cablocaria da Zona da Mata mostram a riqueza da nossa cultura popular. No palco armado em frente ao museu, é hora de Maestro Spok, comandar o frevo, na chamada Festa do Pré Réveillon do Paço. E onde tem Spok, tem frevo. “Vai ser um show com encontro de manifestações culturais e surpresas sonoras, com trombone solando Frevo, rabeca solando Frevo. Um misto de gerações com força espiritual”, diz o maestro, referência da música instrumental brasileira, um dos grandes nomes que espalham o Frevo pelo mundo.
Então, tá. Vamos curtir a festa do nosso Ciclo Natalino. Ops… Do Ciclo Carnavalino.
Letícia Lins é jornalista e editora do Blog OxeRecife
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