Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo lembra a luta para deixar de ser invisível
*Daniela Rorato
Hoje é Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo e como mãe de uma pessoa que está dentro do transtorno do espectro autista (TEA) venho compartilhar algumas reflexões em busca do descortino desta questão social.O maior problema de pessoas com TEA não é só o deboche daqueles que chegam ao absurdo de fingir ser autista em um shopping e todas as dolorosas camadas que envolve o capacitismo estrutural.
A maior barreira ainda é a negativa de um direito fundamental: o acesso à saúde. Apesar da literatura médica considerar que existem três níveis de autismo (1,2 e 3) conforme os impedimentos e limitações cognitivas de cada um, e sendo o nível 3 o mais severo, que refere por exemplo a pessoas que não tem autonomia para fazer algo básico como sua higiene pessoal por ter também uma deficiência intelectual severa, não absorve a escola inclusiva, não consegue oralizar, etc.
Pra quem tem uma condição privilegiada de ter um plano de saúde, a realidade ainda é peregrinar em eternas judicializações para efetivar este direito fundamental em busca do tratamento multidisciplinar de estimulação, que tenha os mais avançados métodos terapêuticos para o tratamento do TEA.
Para que não tem um plano e depende das políticas públicas de saúde, da rede de atenção e saúde pública, aí a coisa se agrava muito pois o autista e sua família meio que se torna invisível.
Parece rude, mas posso afirmar, como ativista que atua em defesa dos direitos das PcDs, que em Pernambuco as políticas públicas em prol do autismo são quase inexistentes e muito atrasadas em relação à outros estados brasileiros. Recentemente o Pará anunciou a sua Política Estadual para pessoas com autismo, instalando uma gerência específica para interagir com famílias e monitorar a rede, com políticas que envolve desde um cartão estadual de identificação e que traz benefícios, ampliação de instituições especializadas para atender autismo e de vagas para terapias multidisciplinares.
Estados com Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina também possuem políticas estaduais específicas para autismo. Muito além de apenas replicaram a Lei Brasileira de Inclusão ou legislações federais como a Lei Berenice Piana que garante o diagnóstico precoce, alguns locais foram além, e instalaram políticas mais evoluídas e específicas para autistas e suas famílias, que precisam de rede de acolhimento e apoio.
Estatísticas começam a apontar o crescimento de números de suicídios de mães cuidadoras de pessoas com autismo. Sobrecarregadas e exaustas, principalmente pela falta de rede de atendimento, elas não tem só o autismo em si para lidar, mas também milhares de barreiras sociais para derrubar, como a violência do preconceito, da discriminação, da falta de respeito à neurodiversidade que ainda levanta tantos escândalos na nossa sociedade, como a bióloga que se fingiu de autista para não usar máscara no shopping, ou a cara virada daqueles que se consideram “sãos” e melhores que os outros, sem a compreensão de que o conceito de normalidade caiu por terra num mundo neurodiverso com oito bilhões de pessoas diferentes em suas características . E onde todos, sem exceção, merecem respeito.
Pernambuco não possui uma política estadual ou investimento em políticas públicas para pessoas com TEA. Isto foi apontado recentemente em um estudo feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), onde é irrefutável a falta de investimento na pauta, assim como as lacunas severas na interiorização deste acesso à saúde, a falta de neuropediatras para emitir diagnóstico, vagas para terapias multidisciplinares e tampouco um centro ou instituição especializada em autismo. Vale dizer que a pessoa sem diagnóstico não consegue acessar seus direitos à luz da lei. E o autista, tendo ou não deficiência intelectual, à luz da lei é considerado pessoa com deficiência e tem, portanto, todos os direitos de uma PcD.
Cerca de 70 milhões de pessoas têm autismo no mundo. Este número sugere uma dispersão estatística, uma vez que o Censo nunca inseriu dados sobre autismo no Brasil. No próximo Censo, os dados serão gerados através do levantamento de autistas que estão na escola ou que tenham diagnóstico. Ou seja, ainda uma haverá uma dispersão estatística.
Essa semana o poder legislativo promove uma série de audiências publicas temáticas. Também o MPPE instalou inquérito contra a bióloga que supostamente cometeu crime de capacitismo, o que considero fundamental e pedagógico.
Em dia de “conscientização” é importante saber que a inclusão e autoestima das pessoas e suas famílias com autismo é um caminho sem volta, que vamos ocupar os espaços e cobrar respeito. Que estamos, mais que nunca, conscientes da nossa luta. E que além dela, ainda temos tempo para amar e ensinar o mundo a respeitar as diferenças.
*Daniela Rorato é ativista que atua em Defesa dos Direitos das PcDs, empreendendedora social, consultora em acessibilidade e colunista do Blog Dellas.
E-mail: danielarorato@gmail.com