O espaço da mulher no governo Lula – Por Míriam Leitão
-Temos tolerado o intolerável em se tratando de exclusão dos que não são homens, brancos, héteros no Brasil-
É natural que o governo se organize com as forças que o apoiam para ter maior capacidade de aprovação de medidas no Congresso. Não é natural que os cargos das mulheres sejam os primeiros a entrarem na mira para serem ocupados por homens.
Na última semana, a lista das posições em disputa pelo Centrão eram principalmente as entregues às mulheres. A escolha do deputado Celso Sabino para o Ministério do Turismo é um ato normal de governo, afinal a ex-ministra Daniela Carneiro saiu do União Brasil e teve uma passagem irrelevante pelo cargo.
É preciso separar o que é o normal da política do que é reflexo da longa exclusão feminina da estrutura de poder. Não é que um homem não possa ser nomeado para uma posição ocupada por mulheres. Mudanças e trocas acontecem em qualquer governo.
O problema é o fato de que se quer o cargo da ministra dos Esportes, Ana Moser, e da presidente da Caixa, Rita Serrano. Isso depois de o Centrão ter pedido, felizmente sem sucesso, a cadeira ocupada pela ministra da Saúde, Nísia Trindade. E de estar se pensando em levar a ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, para o Ministério da Mulher, hoje ocupado por Cida Gonçalves, para abrir vaga para o Centrão.
No Congresso, quando foi votada a estrutura do governo, dois ministérios estiveram sob maior ataque, o do Meio Ambiente, de Marina Silva, e o dos Povos Indígenas, de Sonia Guajajara. Dos dois o Centrão tirou poderes e atribuições. Ou querem os cargos ocupados por mulheres, ou querem esvaziá-los. Não por acaso.
O Supremo Tribunal Federal tem duas ministras. Uma delas, Rosa Weber, terá de se aposentar em breve. Os nomes cogitados são, em geral, de homens, como se não houvesse juristas capacitadas no país.
Para a Procuradoria-Geral da República, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, pensam no absurdo de reconduzir Augusto Aras. A subprocuradora-geral Luiza Frischeisen foi duas vezes a primeira da lista dos procuradores, escolhida pelos pares, e tem currículo indiscutível para o cargo.
É preciso entender a natureza desse debate. No Brasil, o poder é espantosamente masculino, e os homens que o exercem são, às vezes, caricatos em sua demonstração de ódio às mulheres. As que têm avançado para quebrar essa hegemonia de séculos têm enfrentado ataques desmesurados.
A jovem deputada Tábata Amaral já carrega uma coleção de infâmias. A deputada Sâmia Bonfim, do Psol, ouviu na semana passada do deputado General Girão, do PL, que “as mulheres têm responsabilidades, sim, e eu as respeito bastante, porque elas são responsáveis pela procriação e pela harmonia da família.”
Os exemplos são diários de parlamentares ou pessoas em posição de poder que tentam calar as mulheres, humilhá-las, reduzi-las à reprodução. Isso sem falar em casos extremos como o feminicídio político do qual foi vítima Marielle Franco.
Muita gente esconde seu machismo em frases estúpidas, pretensamente meritocráticas, como a de que o importante é ser competente e não o gênero da pessoa. Se fosse isso, e pessoas estivessem sendo escolhidas pelo critério da competência, teríamos que concluir que essa qualidade está concentrada em homens brancos, em detrimento de mulheres e negros. Como isso não existe, o que há é preconceito e discriminação.
Não necessariamente o fato de ser mulher é comprovação de que a pessoa está talhada para o cargo. A deputada Daniela Carneiro teve um comportamento até constrangedor no Ministério do Turismo. Seu marido é que falava por ela e se reunia com o presidente da República para defender o cargo dela. Há casos de mulheres que, ao estarem em posição de destaque, acabam fortalecendo o estigma.
O poder precisa ter representatividade, porque essa é a forma mais adequada de organizar uma sociedade plural e remover os obstáculos ao avanço dos grupos discriminados. A autoanistia concedida pelos políticos aos partidos que burlaram as cotas eleitorais para as mulheres é mais uma artimanha para manter tudo como sempre foi no Brasil.
Temos tolerado o intolerável em se tratando de exclusão dos que não são homens, brancos, héteros no Brasil. Incluir os que têm estado à margem não é favor. É parte da construção de um poder que reflita a sociedade, e tem resultados bons em todas as áreas, inclusive na economia, como já comprovaram vários estudos.
*Miriam Leitão é jornalista e comentarista do Jornal o Globo. Texto compartilhado. Foto- Divulgação.
E-mail: redacao@blogdellas.com.br