Coluna Gente

Bate-papo com Roberto Ploeg

O pintor de retratos

 

– Ele diz ser um pintor figurativo. Sua técnica é ancorada no tradicional óleo sobre tela. Sua arte é engajada, mas não radicalmente ideológica. Roberto Ploeg vive atento, com o pincel na tela, de onde figuras surgem e parecem se  movimentar, dialogar. Elas transmitem verdades. Engana-se quem pensa que este pernambucano-holandês apenas desenha, pinta, cria arte. Seu trabalho é transformador.

 

-O dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw disse que “os espelhos são usados para ver o rosto, a arte para ver a alma”. Como definir seu trabalho? De frente para o seu autorretrato, quem é Ploeg?

 

Ploeg: Faço pintura figurativa. Só consigo pintar o que vejo. Me basta a realidade. Meu ponto de vista é a partir da periferia onde moro e convivo. Meu olhar é afetuoso, amoroso e espirituoso. A pintura é minha maneira de conhecer, o jeito de me fazer próximo do outro.

-Você já revelou que a sua primeira paisagem é a figura humana. Que  ser humano da atualidade merece sua atenção, como exemplo de  liderança, decência, confiança, credibilidade, gratidão e esperança? E por quê?

 

Ploeg: As mulheres! Aposto nelas. Tem um slogan que diz: “feminismo é revolução”. Acredito nisso. Nossa sociedade patriarcalista, o sistema capitalista predatório e as políticas neoliberais que só fazem aumentar a concentração de renda precisam, urgentemente, passar por uma revolução através do crivo feminista e antirracista. Boto fé e esperança no protagonismo das mulheres que sustentam a vida nos territórios periféricos, tem empatia e colocam seu próprio corpo à primazia dos cuidados com o outro, que tomam como sua responsabilidade.

 

– “Pintar o Brasil através do retrato”. Qual seria a imagem do nosso país hoje?

Ploeg: O retrato de Marielle Franco, negra linda, mulher da periferia, destemida, de sorriso largo e por isso assassinada.

 

– Você veio para o Brasil em 1979. Depois de conhecer, na Holanda, Dom Helder Câmara. Como se deu este encontro e o que dele resultou?

 

Ploeg: Nos anos 70 Dom Hélder era proibido de falar em público no Brasil. Daí Dom Hélder viajava ao exterior e denunciava as opressões e injustiças da ditadura militar mundo afora. Eu o conheci numa palestra na Universidade de Wageningen. Estava me preparando para um mestrado em Teologia da Libertação com Gustavo Gutierrez no Peru. Tinha inclusive estudado espanhol em Salamanca. Mas Dom Hélder mudou o rumo desses planos e me propôs estudar no ITER (Instituto de Teologia do Recife) e pesquisar a respeito do Movimento Encontro de Irmãos na Arquidiocese de Olinda e Recife. Vim em final de junho de 1979 e no primeiro dia no Recife presenciei o primeiro pronunciamento público após anos de silêncio obrigatório de Dom Hélder na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Fui morar no Alto do Pascoal com Eduardo Hoornaert e depois em Primavera com padre Romero. Conheci minha esposa no ITER. O encontro com Dom Hélder resultou, portanto, em casamento, em criar uma família e caminhar junto ao povo nordestino desde então.

 

– Seu engajamento político é refletido em sutis críticas que surgem em suas criações. O que você ver como “luxo “ na periferia que conhece e retrata tão bem?

 

Ploeg: Não existe luxo nenhum na periferia. Não há coisa pior do que ser pobre, de ser privado do básico em múltiplos sentidos. Tenho receio de romantizar a resiliência do povo que se manifesta no cotidiano de partilha e ajuda mútua. Um resgate da dignidade humana que procuro até captar na minha pintura. Mas tenho consciência que isso não é luxo, essa rede solidária é simplesmente necessária onde o poder público está ausente e onde os direitos sociais não valem.

 

– Quantas exposições já contabiliza e qual a próxima já imaginada?

 

Ploeg:  14 exposições individuais e dezenas de coletivas. Gostaria de expor junto com a turma de cursistas do Atelier Ploeg. Seriam duas exposições. Já temos pronto um belo conjunto de colagens e estamos nesses meses fazendo retratos das mulheres que mantem aqui na comunidade uma Cozinha Afetiva que prepara 3.000 quentinhas por mês.

 

– A pandemia aumentou a desigualdade social, diminuiu renda e alterou comportamentos. Os brasileiros surgiram como um dos povos mais preocupados (62% ante 56%), estressados (47% ante 43%), tristes (31%, de 26%). A piora de bem-estar foi superior à dos demais países. Que cor tem para você a desigualdade social?

 

Ploeg: Cor de alerta! Cor laranja gritante. Para avisar a nós da classe média que a desigualdade social leva à apartação social. Deste jeito nunca seremos uma nação. Nós da classe média nos acomodamos em nossa posição na pirâmide social sendo sustentados por uma ampla base que tem que se virar com um mísero salário mínimo ou nem isso: empregadas, babás, porteiros,  pedreiros, seguranças, motoristas, lavradores, garis…

 

– Você mora no Recife há anos, já viveu em muitas cidades. Que lugar no país você gostaria de retratar?

 

Ploeg:  Já morei no Recife, em Primavera, em Campina Grande na Paraíba e moro desde 1988 em Olinda.  Pernambuco é meu país. Quero retratar sua gente.

 

– Qual a grande lição dessa pandemia?

 

Ploeg: Acordamos para perceber a dimensão planetária. O planeta está doente. E descobrimos a importância do senso público, tanto nas instâncias como a saúde pública como nos sentimentos como a corresponsabilidade pela coletividade.

 

– Para terminar, Pierre Bonnard ou João Câmara?

 

Ploeg:  Pierre Bonnard. Fiz até um retrato dele neste ano a partir de uma fotografia preta e branca.

 

Foto de abertura- Roberto Ploeg por Sandy James

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3 Comentários

  • Alcides Pires

    Mais uma vez vemos que Ploeg é por casualidade fantástico com um pincel e uma tela, mas suas palavras refletem o propósito que está na base da sua arte. É esse propósito que faz dele um ser humano especial, além do artista. E essa arte, engajada e bela, que ele ensina a outros artistas, nos toca a todos de modo a indicar pelos olhos os caminhos da cabeça e do coração.

    • Lúcia da Fonte

      Ploeg além de ser um grande artista é além de tudo uma pessoa humana admirável .
      Olinda e Recife tiveram muita sorte em ter um Ploeg conosco . O trabalho social dele não se restrige só a comunidade da cozinha afetiva , já ha muitos anos Ploeg e sua grande esposa Ana , são engajados em outros trabalhos sociais .
      Grande pessoa humana e conforme iniciei um artista maravilhoso de uma enorme sensibilidade , onde nos seus retratos ele capta o interior , a sensibilidade da pessoa retratada , isto também acontece quando pinta paisagens , ele consegue pintar a alma do cajoeiro , como da chuva e o reflexo do sol . Viva você Ploeg e continue sempre sendo um grande Olindense .

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