Brasil desperdiça bônus demográfico – Por Paulo Tafner*
– O país que um dia foi ‘do futuro’ será idoso e pobre em pouco tempo –
O Brasil tem passado, nas últimas décadas, por uma mudança radical na pirâmide demográfica. Dois fatos se destacam:
1) Em 1980, o país tinha 45,3 milhões de pessoas com 14 anos ou menos e 7,2 milhões de idosos (60 anos ou mais). Em 2020, de acordo com as projeções do IBGE, o número de idosos chegou a 29,3 milhões, enquanto o número de crianças foi de 44,3 milhões. Na próxima década, o número de idosos será maior que o de crianças. Isso ocorrerá daqui a nove anos, em 2032. Em 2060, serão 73,6 milhões de idosos e 28,3 milhões de crianças.
2) Em 2023, o número de pessoas em idade ativa (de 15 a 59 anos) deverá superar em 61 milhões a soma de crianças e idosos. Esse excedente, chamado bônus demográfico, já foi de 63 milhões em 2017 e será de apenas 14 milhões em 2060.
Para que o envelhecimento do país não se transforme em empobrecimento, pelo menos dois fatores são fundamentais: o aumento na proporção de pessoas que trabalham dentre aqueles em idade ativa e o aumento da produtividade entre os que trabalham. Atualmente, sexo e escolaridade são determinantes tanto da taxa de ocupação (probabilidade de estar empregado) quanto da produtividade. Apenas 58% das jovens (entre 25 e 29 anos) com ensino fundamental completo ou médio incompleto estão na força de trabalho, em comparação com cerca de 87% das jovens com ensino superior ou mais.
A produtividade dos trabalhadores jovens, quando medida pelo salário médio, aumenta muito com a escolaridade: quem tem ensino superior ganha 89% mais do que quem tem apenas o ensino médio completo. A baixa escolaridade de parte substancial da população em idade ativa limita a capacidade de o Brasil aproveitar bem o bônus demográfico.
Jovens em famílias cujos responsáveis têm pelo menos ensino superior são muito mais escolarizados que aqueles de lares onde o responsável tem no máximo fundamental incompleto. No primeiro grupo, a maioria tem ensino superior completo; no segundo, ensino médio completo — uma evolução em relação a 20 anos atrás, mas insuficiente para a qualificação necessária numa economia cuja matriz tecnológica evolui rapidamente.
Que capacitação o ensino básico brasileiro dá a nossos jovens? Na prova de matemática do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, aplicada a jovens de 15 anos de idade), apenas 4% dos adolescentes brasileiros de famílias de nível socioeconômico baixo tiraram nota acima do adequado, ante 44% daqueles provenientes de camadas mais privilegiadas. Enquanto os cidadãos mais pobres recebem uma educação parecida com a que recebem os indonésios e marroquinos mais pobres, aqueles mais abastados têm nível de conhecimento de matemática próximos a seus pares chilenos.
Como se não bastasse, o ritmo na melhora de qualificação da força de trabalho brasileira não é compatível com o aproveitamento da janela demográfica que se apresenta. Em dez anos, entre 2009 e 2018, as notas do Brasil no exame de matemática do Pisa ficaram estagnadas. Nesse período, o gasto público com ensino básico aumentou consideravelmente.
O bônus demográfico passará. O país que um dia foi “do futuro” será idoso e pobre em pouco tempo. E com baixa mobilidade social. Evitar esse destino passa necessariamente pela inclusão produtiva dos filhos dos mais pobres. Isso só será possível com uma transformação na forma como os conhecimentos são transmitidos nas escolas públicas e nas políticas sociais que complementem o papel da escola. Tal estratégia exigirá uma melhoria sem precedentes da eficiência da máquina pública. Não há espaço para populismos e tergiversações. Temos de melhorar a eficiência do setor público enquanto ainda há tempo.
*Paulo Tafner, economista, é presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social . Texto compartilhado do Jornal o Globo. Foto: Divulgação.
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