Alexandre de Moraes versus Jair Bolsonaro- Por Joaquim Falcão*
-A estratégia de ontem não será a de amanhã-
O ex-presidente Jair Bolsonaro, seus assessores brasileiros e americanos trumpistas não contavam ter, como principal contendor, o ministro Alexandre de Moraes. Uma melhor análise das táticas e estratégias jurídico-políticas em jogo teria sido importante. Cometeram vários equívocos.
O que lhes custou caro.
Primeiro. Talvez esperassem um presidente do Tribunal Superior Eleitoral mais discreto e conciliador. Erraram. Uma matéria-prima do ex-presidente é difundir e administrar o medo. Já o ministro é mais feito de Gonçalves Dias: “A vida é luta renhida, viver é lutar. A vida é combate, que aos fracos abate e aos fortes, os bravos, só pode exaltar”.
Segundo. Para a teoria dos jogos, um fator decisivo para a vitória é o tempo que contendores têm para jogar. O ex-presidente tinha tempo limitado. Até 28 de outubro. Se não ganhasse até esta data, perdia. Saía do poder e do jogo. Saiu. Já o ministro é vitalício. Quem tem tempo não tem pressa, dizia Marco Maciel.
Mais ainda. O ex-presidente tem 67 anos. O ministro, apenas 54. O vigor geracional conta.
Terceiro. A assessoria trumpista foi útil nas táticas midiáticas, captação das pautas nacionais, marketing eleitoral e mobilização de demanda por um populismo reacionário, diz Christian Lynch. Esqueceram de peculiaridades de nossa cultura jurídica e institucional.
Nesta era da Infocracia, alerta Byung-Chul Han, a cultura é forte arma imaterial na arena do poder. Cultura importa, avisou Huntington.
Os Estados Unidos não têm justiça eleitoral. Tratando-se de ataque ou preservação do estado de direito, era provável que a contenda passasse pelos plenários do Tribunal Superior Eleitoral e/ou do Supremo. Trumpistas e bolsonaristas, ao escolherem atacar as urnas eletrônicas, que, de Carlos Velloso a Luís Roberto Barroso, têm sido exemplo para o mundo, erraram. Não é este o ponto fraco do TSE. Importaram a cultura do caótico sistema eleitoral americano. Perderam.
Quarto. Não previram o risco de o ministro bem coordenar duas competências institucionais ao mesmo tempo. Presidente do TSE e ministro do Supremo. Ambos vinham sendo arrogantemente atacados. O ministro conseguiu união momentânea dos ministros na defesa das instituições e de cada um.
O ex-presidente não conseguiu a união dos militares. Inagiram. Paralisaram-se.
O ex-presidente ameaçou demais. Excessivamente demais. Simbolizado na expressão: “Eu sou, realmente, a Constituição”. Parafraseando Vinicius de Moraes, o homem que diz sou, não é. Porque quem é mesmo, não diz. Deveria ter falado menos. Uniu os desunidos.
Quinto. Junte-se invulgar conhecimento jurídico pragmático. O que explica a rapidez e segurança com que Moraes decide qualquer demanda processual.
Seu Manual de Direito Constitucional vendeu cerca de 700 mil exemplares. Em 38 edições. É atualizado todo ano. Magistrados, faculdades, escritórios de advocacia e procuradorias o compram sistematicamente.
Sexto. Muitas das críticas ao ministro são sobre seu eventual ativismo. Extrapolaria sua competência na investigação e punição dos atos antidemocráticos. Esta crítica tem que enfrentar o fato de que quem primeiro lhe concedeu esta competência, foi o presidente Dias Toffoli. Corroborada pelo plenário do Supremo.
O artigo 43 do Regimento Interno determina que somente cabe ao Supremo investigar e julgar infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal. Até então se entendia “sede ou dependência” como seu espaço “físico”. De pedra e cal. Ora, na infocracia, atos danosos podem ser físicos e/ou virtuais.
O golpe foi a soma destes atos.
O conceito de ativismo muda de acordo com a cultura jurídica. Maior ativismo não houve do que a omissão do Supremo norte-americano no caso Bush v. Gore. Recusou-se a apurar eventual fraude de contagem de votos que ocorria na Flórida. Beneficiaram o candidato Bush. Ativismo envergonhado. O Supremo de lá afirmou que não mais se repetiria. E que não constituía jurisprudência.
Não somos nem melhores nem piores, apenas diferentes, diria o Salgueiro. Às vezes, a omissão é o pior ativismo.
A contenda continua. Os contendores mudam-se e mudam. A estratégia de ontem não será amanhã.
*Joaquim Falcão é membro da Academia Brasileira de Letras, professor de direito constitucional e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). E colaborador do blogdellas. Texto Compartilhado /Foto/ Divulgação ( Folha de São Paulo)
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