Manifesto pela vida: Sentidos e desafios do “viver com HIV” – Por Felipe Cazeiro*

 

Nos anos 80, pelo desconhecimento do vírus HIV, ausência de tratamento e por ter sido equivocadamente identificada como “Peste/Câncer Gay”, havia no imaginário popular a ideia de que a aids era uma sentença de morte e uma infecção que só acometia homossexuais. Isso posteriormente foi desmistificado pela ciência, mas esse estigma permaneceu ao longo dos anos impedindo, até mesmo, que as pessoas buscassem se testar por medo.

Hoje, já existem tratamento eficazes que conseguem manter o vírus controlado sem que prejudique a pessoa e que ela também não transmita o vírus para outras, visto que já se sabe que aquelas que fazem adesão à terapia antirretroviral (TARV) e estão indetectáveis há pelo menos seis meses não transmitem o HIV. A aids é uma infecção que ainda não tem cura, mas já não é mais uma sentença de morte.

No entanto, o estigma que o HIV carrega, construído tempestivamente pelo discurso, impacta na saúde mental da pessoa vivendo com HIV/aids (PVHA) e no seu modo de viver, na sua autoestima e na dinâmica das suas relações sociais. Por conta dele, muitas pessoas têm medo de contar suas sorologias aos seus parceiros, amigos e família, por receio do preconceito e da exclusão. O que já aconteceu no passado e infelizmente ainda acontece.

As informações sobre o HIV precisam superar o estigma de modo que as pessoas não tenham medo de falar sobre isso, estejam elas vivendo com HIV/aids ou não. Pela transmissão ocorrer principalmente pela relação sexual desprotegida (se a pessoa não estiver indetectável) e pelo sangue, a moral pode recair sobre estas pessoas se sentindo excluídas e rejeitadas. Por ser uma infecção que vem pelas vias sexuais, na maioria das vezes, muitas PVHA podem lidar com o discurso da promiscuidade, de serem apontadas como promiscuas e sujas, desvelando um grande sofrimento psíquico. Além disso, ainda existem pessoas que sentem medo de trocar beijos, talheres, toalhas etc. pensando que dessa forma também possa pegar o vírus, mas, é preciso reafirmar: não transmite!

Precisamos de mais acolhimento e empatia na sociedade. Campanhas como o “Dezembro Vermelho” são necessárias por trazerem mais informação e conscientização sobre a doença, desmistificando tabus e descontruindo preconceitos, como por exemplo a diferença entre HIV e aids. Ter HIV (infecção pelo vírus) não é o mesmo que ter aids, pois vivemos em um tempo em que é possível não desenvolver aids (estágio avançado da infecção compreendido como a própria doença) já que a Terapia Antirretroviral (TARV) é eficaz. Isso por si já promove melhor aceitação e acolhimento às PVHA, reduzindo a exclusão e o alheamento.

O combate ao preconceito e à desinformação é uma tarefa infindável na qual precisamos continuar investindo. Combater o estigma da aids é combater uma política, discurso e cultura que nele segue se efetuando de diferentes formas. Como dizia Herbert Daniel, importante voz na luta contra aids, o preconceito e pelo direito da oferta de tratamento gratuito: “A aids está entre nós, é uma doença nossa, não é uma doença do outro, do alheio. Vivemos todos com ela. A educação de que a doença é um problema comum de toda a humanidade, gera uma estrutura de enfrentamento de onde surgem as raízes da solidariedade social”.

*Felipe Cazeiro, psicólogo especialista em Saúde Pública, professor de Psicologia da Estácio. Texto compartilhado- Blogdellas. Foto-Divulgação.

E-mail: redacao@blogdellas.com.br

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